quarta-feira, 7 de abril de 2021

FLÂNEUR e FLÂNERIE

 


(Estou numa semana de férias, embora atribulada com trabalhos pendentes. Hoje, cedo pela manhã, deslocava-me na Cidade ainda quase vazia, mesmo que a desconfinar, para um ato básico, cortar, melhor aparar o cabelo. Enquanto divagava por uma zona em que cresci em várias idades, o Carmo e Carlos Alberto, não me saía da cabeça um artigo que tinha lido matinalmente no The Guardian. O tema relacionava-se com a Cidade e com uma das mais fascinantes maneiras de a vivenciar, a perspetiva do flâneur e a prática da flânerie, agora que as Cidades permanecem ainda desprovidas da sua energia corrente e vibrante.

A perspetiva do flâneur e da flânerie é um tema fascinante na observação da Cidade, tem os seus limites e limitações, mas qualquer peça de literatura ou de análise de Cidades que nos tocam e com que nos identificamos exerce sobre mim um continuado fascínio.

Não é fácil traduzir para português os dois termos e do meu conhecimento, necessariamente limitado porque a ele regresso sempre com uma grande intermitência, existe pouca literatura urbana inspirada por esta abordagem. Talvez aí pelo mundo hoje um pouco agonizante da pós-modernidade haja alguma coisa que se leia, sinceramente a minha intermitência sobre o tema lança-me talvez na ignorância injusta para os “flâneurs” deste país.

Para mim, “flâneur” é o observador (caminhante) errante da Cidade e a “flânerie” representa essa prática, vivência ou modelo de observação. É conhecida a sua raiz. Provém da influência que Baudelaire exerceu sobre o grande intelectual Walter Benjamin que a aplicou às suas múltiplas notas sobre Paris e as suas ruas, avenidas, praças e sítios.

Mas, para Baudelaire, o “flâneur” representava o tipo de poeta-artista das grandes metrópoles, pelo que pressupunha a sua imersão na multidão, fixando nela residência oculta, e por isso Paris acabou por ficar ligada a esse conceito.

 

(Marble Arch e Oxford Street, Londres)

Ora é aqui que o artigo de Chris Moss no Guardian (link aqui) é interessante, porque discute a possibilidade da “flânerie” ser praticada em cidades esvaziadas pela pandemia, mesmo que em recuperação de energia com as diferentes fases de desconfinamento até a uma próxima interrupção ou recuo. Não deu tempo para perceber se as minhas deambulações de flâneurs imperfeito podem ser praticadas num Porto ainda pouco fervilhante, até o Piolho ainda fazia limpezas para abrir a esplanada nos próximos dias.

Fiquei na dúvida. Em Caminha a densidade urbana não permite a “flânerie” é de outro tipo de contemplação que se trata.

Por isso, talvez a melhor maneira de terminar este meu regresso (intermitente) ao tema do “flâneur” seja reproduzir na língua original o muito conhecido poema de Baudelaire, Le Soleil, porque afinal tudo parece ter começado na sua inspiração.

Le Soleil de Charles Baudelaire

Le long du vieux faubourg, où pendent aux masures

Les persiennes, abri de secrètes luxures,

Quand le solei cruel frappe à traits redoublés

Sur la ville et les champs, sur les toits et les blés,

Je vais m’exercer seul à ma fantasque escrime,

Flairant dans tous les coins les hasards de la rime,

Trébuchant sur les mots comme sur les pavés,

Heurtant parfois des verfs depuis longtemps rêvés,

 

Ce père nourricier, ennemi des chloroses,

Eveille dans les champs les vers comme les roses;

Il fait s’évaporer les soucis vers le ciel,

Et remplit les cerveaux et les ruches de miel.

C’est lui qui rajeunit les porteurs de béquilles

Et les rend gais et doux comme des jeunes filles,

Et commande aux moissons de croître et de mûrir,

Dans le coeur immortel qui toujours veut fleurir!

 

Quand, ainsi qu’un poète, il descend dans les villes,

Il ennoblit le sort des choses les plus villes,

Et s’introduit en roi, sans bruit et sans valets,

Dans tous les Hôpitaux et dans les palais.

Um sol radioso que fez despertar os carvalhos para aquele verde incontornável e aguentou as aleluias para que as pudesse ver ainda em flor.

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