quinta-feira, 15 de abril de 2021

ARTUR GARCIA

Morreu Artur Garcia, um dos “ídolos” da música ligeira portuguesa dos anos 60. Nunca nada conheci de interessante sobre a personagem em si própria, apenas sei que nada de especial o recomendava enquanto artista. Mas com a notícia a cair-me no telemóvel vieram-me à cabeça flashes desencontrados de uma outra época, uma época de que ele foi parte ativa do entretenimento animado por um regime que não apenas era pouco recomendável como era, sobretudo, altamente deficiente em termos culturais (os festivais da canção eram verdadeiros happenings nacionais!). Vivi parte desses tempos enquanto criança ou jovem adolescente e acompanhei naturalmente os seus diversos cânones de alienação ou inculcação, até ter podido adquirir uma outra consciência do que estava em causa e do muito que podia ser diferente.

 

Liberto a memória, sem fazer qualquer esforço de busca ou ordenamento. No futebol, tínhamos o Eusébio e aquele Benfica só composto por jogadores de nacionalidade portuguesa (embora uma boa parte fossem africanos das colónias) que ganhou duas taças dos campeões europeus (entre uma linha avançada com José Augusto, Santana, Águas, Coluna e Cavém e uma seguinte com José Augusto, Eusébio, Torres, Coluna e Simões), sendo o resto paisagem (desde que se havia esfumado a vã glória dos “cinco violinos”) ou província (de onde despontavam, de vez em quando, uns craques tão mais aplaudíveis quanto incapazes de fazer real mossa em termos coletivos). No ciclismo, havia Mário Silva, Peixoto Alves e João Roque (um de cada clube grande), mas também Sousa Cardoso, Joaquim Leão, José Pacheco ou Jorge Corvo (Joaquim Agostinho foi um cometa surgido um pouco mais tarde no Tour de France). Na crítica desportiva, tudo era reconduzido a “A Bola” e àqueles seus nomes míticos (Vítor Santos, Carlos Pinhão, Alfredo Farinha e Aurélio Márcio, entre outros), assim como ao inesquecível expoente televisivo que era Alves dos Santos. Nos ecrãs, primavam os apresentadores Henrique Mendes, Isabel Wolmar e Fialho Gouveia, ao lado de um famoso e menos presente casal (Pedro Moutinho-Maria Leonor) e do impagável Fernando Pessa. Do teatro, e fora dos grandes clássicos e dos protagonistas daquelas ótimas peças televisivas semanais (Paulo Renato, Rogério Paulo e Varela Silva ou Eunice Muñoz, Ivone Silva e a jovem Guida Maria), cito já de uma certa fase de transição João Lourenço e Irene Cruz ou Rui Mendes e Henriqueta Maya. Algumas figuras também pontuavam pela sua presença televisiva mais ou menos recorrente (do Eng. Sousa Veloso ao inspetor Artur Varatojo, de António Lopes Ribeiro a Raul Solnado, do poeta Manuel Homem de Mello aos momentos de absoluta diferença que, a dado momento de distração, foram tolerados a João Villaret). E chego à canção, onde dominavam António Calvário, Artur Garcia e João Maria Tudela (por esta ordem, com Francisco José e Max como outsiders) e Simone de Oliveira e Madalena Iglésias disputavam as preferências maiores no feminino (onde também recordo Maria Clara, Maria de Lurdes Resende, Paula Ribas ou Maria José Valério); a música era outra no fado (de Amália Rodrigues a Hermínia Silva ou de Alfredo Marceneiro a Tony de Matos ou Fernando Farinha), mas a linguagem era mais codificada e o público aficionado mais circunscrito; evoluções de final de década, acompanhando a procura de outras leituras, trouxeram o Duo Ouro Negro e o Quarteto 1111 ou o Conjunto Académico João Paulo e os Sheiks, com a intervenção cada vez mais à espreita (de Adriano Correia de Oliveira a José Afonso, de José Mário Branco a Manuel Freire, de Francisco Fanhais a Fausto).

 

E por aqui me fico, consciente do espontaneísmo extremo deste post. Apeteceu-me, pronto, peço desculpa pelo facto e pelo mau jeito (ou falta dele). Sendo que, às vezes, há pretextos inexplicáveis para que as marcas que nos ficam indelevelmente registadas como produto da nossa circunstância forcem ímpetos inimagináveis, mesmo que seja para discorrermos sem grande sentido e, assim, acrescentarmos poucochinho.

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