(O La Vanguardia traz-nos na sua edição on line de hoje uma bela imagem que documenta a iniciativa que o jornal realiza regularmente por altura do Dia Sant Jordi, a Diada 2021, que é também Dia do Livro na Catalunha. E o que me apraz registar é que, numa festa que vai ao âmago do catalanismo, o ódio do confronto entre espanholismo e independentismo desaparece, visível por exemplo nos escritores e editoras que estiveram presentes na sessão do Hotel Alma.)
Nunca tive o raro prazer de sentir ao vivo as festividades do Sant Jordi, com a feira do livro que lhe anda associada, mas sobretudo através do La Vanguardia acompanho anualmente as festividades em coerência com o meu entendimento da Catalunha. O Sant Jordi está muito para além do independentismo e representa em grande medida o que eu entendo por catalanismo. Como sabem torço o nariz ao primeiro e reconheço a profunda identidade do segundo. Outra coisa bem diferente é explicar por que razão o catalanismo perdeu progressivamente representação política e foi ultrapassado pelo radicalismo independentista. Há razões múltiplas e complexas razões para isso e entre elas está a decomposição que fez desaparecer do mapa político a formação política Convergència i Unió (CiU), federação de partidos políticos nacionalistas de direita moderada integrada por Convergência Democrática da Catalunha, de ideologia liberal e centrista e União Democrática da Catalunha, de ideologia democrata cristã. Essa formação política governou a Catalunha entre 1980 e 2003 que mostra bem a sua importância. Aliás, no meu entender, o La Vanguardia ainda é, com as suas limitações e inevitáveis contradições, o projeto jornalístico que melhor representa essa dimensão do catalanismo, hoje sem representação política, talvez vaga e imperfeitamente presente no não independentista En Comú de Ada Colau que governa a Câmara de Barcelona.
Mas não é essa a questão que me interessa destacar na crónica de hoje. O que mais ressalta da festa do La Vanguardia de ontem, nos jardins do Hotel Alma, é a presença de escritores que identificados com a Catalunha, embora não nativos, têm sido objeto de pressões inaceitáveis dadas as suas posições críticas contra o independentismo. Javier Cercas, o autor de Terra Alta e do magnífico Independência, extremenho de nascimento e radicado há longo tempo na Catalunha onde reside e de que não abdica, foi um dos participantes. Essa presença é uma mensagem de grande expressividade, sugerindo que o mundo da cultura e dos livros ainda são espaço de entendimento, de tolerância, de abertura e de democracia.
E não menos sintomático é o facto da pregoeira de Sant Jordi para efeitos da festa do livro ter sido Irene Vallejo, aragonesa de Saragoza, de coração e nascimento, e autora do espantoso êxito literário que é o O INFINITO NUM JUNCO. Bem sei que os 21 escritores convidados foram acompanhados pelas suas editoras nas quais se encontram alguns potentados de distribuição que teriam tudo a perder com uma Espanha irreversivelmente fraturada. É verdade. Mas os livros fizeram-se para chegarem aos seus leitores e sem editoras não há escritores.
Por isso, a Diada literária de hoje é não só uma esperança por se realizar em plena pandemia (a de 2020 foi exclusivamente on line), mas também por nos dizer que o catalanismo ainda existe, apesar de ter sido politicamente engolido pelo radicalismo independentista e que os livros nos trazem tolerância e convivência.
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