quinta-feira, 22 de abril de 2021

MADRID DE TODAS AS PAIXÕES

 


(Esta semana Madrid esteve, e continuará até inícios de maio, no centro das paixões, agravos e desatinos de uma Espanha cada vez mais agitada, por dois motivos, as estrondosas eleições para a Comunidad de Madrid que se tornaram o epicentro da política espanhola e o papel central que Florentino Pérez e o Real Madrid assumiram no mais do que aparente flop da Super Liga Europeia de futebol. Em Espanha, meus caros, é assim, centralidade é centralidade, para o bem e para o mal).

Por repetidas vezes tenho trabalhado a ideia de que a Espanha é uma dialética permanente entre a centralidade estrelar de Madrid e as dinâmicas de rejeição/afirmação assumidas pelas Comunidades Autónomas, constitucionalmente históricas e restantes. Trata-se de um modelo em fio de navalha permanente. Pode ser virtuoso, e já o foi em certos períodos, aliás reconhecido por alguns dos regionalistas cá do burgo, se os atores que nele pontuam tiverem o sentido de equilíbrio e não esticarem a corda. Mas pode ser também ruinoso, como o foi em plena gestão da pandemia com uma multiplicidade de atropelos à eficiência e à eficácia, com muitas mortes à mistura. Está ainda por avaliar como será este modelo impactado pela ascensão populista em Espanha, à direita com a disseminação do VOX e à esquerda com a implosão de nacionalismos populistas dos quais o Junts per Catalunya é a ilustração máxima.

Foi neste contexto que após o falhado e ingénuo golpe do Ciudadanos em Múrcia, a impetuosa e força da natureza Isabel Diaz Ayuso antecipou eleições em Madrid, ato que desencadeou uma série de movimentações como se de um baralho de cartas se tratasse. Primeiro, o Ciudadanos arrisca a irrelevância política. Segundo, Pablo Iglésias e o PODEMOS foram apanhados com as calças na mão, com baixas sondagens em Madrid o que levou à sua saída do governo de Sánchez, em que era Vice-Presidente (recordemos) para atacar Madrid, primeiro no pressuposto de uma aliança com o Más Madrid e, depois, perante a recusa deste, assumindo a “solo” a corrida. Terceiro, a trágica polarização que a gestão da pandemia implicou entre os dois governos de Madrid (o de Espanha e o da Comunidad) virou matéria eleitoral e vai na prática a votos.

À medida que se caminha para as eleições de todas as decisões de maio, melhor se compreende que essas eleições vão ser muito mais do que um confronto entre Ayuso (PP) e esquerda (PSOE, PODEMOS, Más Madrid). Elas vão ser também um plebiscito a uma outra luta, que vai estar no coração da recomposição em curso da direita espanhola – Ayuso versus Casado. Sim, Pablo Casado líder atual do PP tem tratado o assunto com pinças e algodão em rama. É que o estilo de Ayuso, truculento, populista quanto baste, insinuante por vezes, desbocado, ostensivo no afrontamento tem-se revelado mais contundente e efetivo na oposição a Sánchez do que a abordagem algo sinuosa de Casado. Primeiro mimetizando o VOX (a cópia é sempre pior do que o original), depois rejeitando essa confusão, ora afrontando Sánchez, ora abrindo espaço para alguma concertação, Casado tem o seu PP fortemente dependente dos resultados em Madrid. Mas isso pode representar uma vitória de Pirro. Se Ayuso conseguir governar sem o apoio do VOX isso dá-lhe uma grande margem de manobra para o que pretender assumir no interior do próprio PP.

Ontem à noite, quedei-me alguns minutos no debate a seis que a TVE (e outros canais) transmitiram para sentir o pulsar do momento. O debate era relevante pois foi o único que a impetuosa Ayuso aceitou com todos os intervenientes. Não vou concentrar-me na estafada questão dos perdedores ou ganhadores, para isso a imprensa espanhola apresenta resultados muito díspares (aliás como sempre acontece nestas circunstâncias). O que ressaltou (para lá da preparação da candidata do Más Madrid Mónica García) foi a oposição da esquerda em bloco a Ayuso, sobretudo em torno do número de mortes COVID na Comunidad, o que imaginam não é propriamente o tema ideal para um debate decisivo. Inspiradoramente, Xosé Luís Barreiro Rivas chama-lhe hoje na VOZ de GALICIA (link aqui) um momento puro de “analética” (um misto de analogia e dialética), em que a discussão se faz “sobre níveis lógicos incompatíveis, que, por essa razão, nunca chocam, e que, em vez de gerar energia criadora, só geram barulho e confusão”.

Foi a síntese mais curiosa que li do debate. Em meu entender, só duas questões permanecem em aberto em Madrid, parecendo indiscutível que Ayuso (PP) será a mais votada: (i) poderá Ayuso governar a capital sem o apoio do VOX; (ii) poderá a esquerda gerar uma geringonça madrilena com o PSOE, Más Madrid e PODEMOS a gerar uma maioria parlamentar?

O outro fator de agitação foi o epicentro madrileno do projeto da Super Liga Europeia. Pelos abandonos já observados, percebe-se que Florentino Pérez e o Real Madrid eram senão os cabecilhas pelo menos os mentores. Anda por aí a tese de que o “povo” do futebol venceu, pondo a nu a incompetência e ganância dos promotores. Mas tenho seguido com atenção as palavras de Florentino Pérez, talvez a caminho de uma possível senilidade diretiva. O homem tem exposto com alguma clareza a sensação de que o futebol está falido, pudera. Dizia-me um amigo próximo há dias, matéria que gostaria de aprofundar, que por detrás da Super Liga se movimenta a JP Morgan e que tudo isto anda em torno de uma desesperada procura de rendibilidades mais elevadas para o capital, porque isto do “zero lower bound” surpreendeu tudo e todos.

É curioso que também pelas bandas do futebol a centralidade de Madrid se vai afirmando. De facto, embora a magia de Messi, a força-intuição de Dembelé, a criatividade de Pedri ou as eternas esperanças frustradas de Griezmann nos continuem a encantar, tudo indica que o Barcelona está roto de todo, aliás como símbolo autonómico que é.

Moral da história:

A dialética positiva “centralidade de Madrid versus dinâmicas autonómicas” está rota, pelo que a Espanha treme e continuará a tremer enquanto o equilíbrio dialético não for recuperado. Enquanto isso, Barreiro Rivas tem razão, serão tempos de analética.

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