segunda-feira, 27 de maio de 2013

REABILITAÇÃO URBANA



Sexta-feira passada passei pelo congresso da APCMC – Associação Portuguesa dos Comerciantes de Materiais de Construção dedicado ao tema A Reabilitação Urbana e as Cidades Inteligentes do Futuro. Fi-lo não só para responder ao convite de participação numa mesa redonda que fechava a manhã, mas sobretudo para ouvir as intervenções centrais dos amigos Félix Ribeiro e Paulo Pinho e para perceber um pouco a situação vivida pelo setor a partir das expectativas dos seus principais agentes. Não cheguei entretanto a ouvir a intervenção inicial de Luís Filipe Meneses, longa tal qual me disseram, antecipando por certo que a reabilitação vá ser tema duro da campanha nas autárquicas do Porto. 
Quanto às intervenções de Félix Ribeiro e de Paulo Pinho, pela sua natureza mais prospetiva, elas afastaram-se do clima de pessimismo que grassa no setor.  

Félix Ribeiro tem a importante característica de ser um dos raros intelectuais a sul do Mondego que entende o Norte a partir do modelo urbano-territorial do noroeste peninsular e que o faz numa lógica prospetiva de valorização de alguns dos seus ativos. A última ideia de Félix Ribeiro prende-se com o potencial de constituição de laços comerciais e produtivos com multinacionais interessadas na construção de cidades em larga escala em economias emergentes às quais se podem vender conceitos alargados de gestão urbana como a mobilidade elétrica, por exemplo. A outro nível, voltou a destacar uma ideia que lhe é cara, a da renda urbana como instrumento de atração de investidores institucionais (companhias de seguros e fundos de investimento) para o financiamento de processos de reabilitação para arrendamento. 

Paulo Pinho partiu de um interessante confronto entre os modelos históricos de expansão urbana de Lisboa e do Porto, a primeira crescendo por malha, a segunda por ruas, para referir que a zona mais crítica de intervenção na cidade do Porto é precisamente a que se situa entre o centro histórico e a periferia, precisamente a que melhor respeita o modelo de crescimento por rua e não por malha. Uma outra matéria interessante que lançou para o debate foi a da possibilidade de haver uma desconformidade entre o ciclo económico e o ciclo das cidades. Poderíamos ter assim contração urbana em expansão económica e o contrário em recessão. A seguir esta pista, as principais cidades portuguesas deveriam estar neste momento a potenciar o dar a volta. Parece faltar evidência a esta desconformidade. Nos próximos tempos, o Porto e Lisboa viverão ainda um tempo de espacialização urbana dos fenómenos recessivos e sobretudo da destruição acima do desejado dos não transacionáveis. 

A perceção do setor (construção civil, materiais de construção e promoção imobiliária) é bastante pessimista e reflete sobretudo as consequências que resultam de, neste momento, a banca estar a lançar no mercado um volume elevadíssimo de ativos, com degradação clara do seu valor, seguindo um propósito de desfazer-se desses ativos o mais rapidamente possível. Vários intervenientes registaram não se observar qualquer interesse da parte da banca em promover esses ativos para arrendamento, tendo mesmo o presidente da APIM referido a assinatura de protocolos de colaboração como entidades bancárias como recurso de última instância, embora contribuindo contraditoriamente para a degradação do seu próprio negócio. 

Num contexto em que a reabilitação não deve representar mais de 8% do mercado, seguramente um dos valores mais baixos da União Europeia, a agonia declarada do modelo de construção nova e de aquisição de casa própria juntamente com a precipitação de entrada das alterações do arrendamento colocam o setor numa profunda letargia e num profundo vazio de foco de orientação. 

Na preparação que fiz para a mesa redonda, topei com um número esclarecedor, que ilustra bem o lio profundo em que o setor está mergulhado. Quando se analisa a evolução do crédito concedido em fins de período, é possível ainda observar que os empréstimos concedidos a empresas exportadoras representam ainda apenas 13% destes últimos, valores reportados a fevereiro de 2013. Os dados de março com publicação eminente não devem ser substancialmente diferentes. Isto significa que a evolução da alocação do crédito está em curso mas é extremamente lenta. Os valores encontrados ilustram na perfeição a desconformidade do modelo de afetação de recursos de crédito que se instalou na economia portuguesa. 


O tão reclamado estímulo da reabilitação urbana parece assim enfrentar um conjunto de constrangimentos para os quais importa ter respostas eficazes. Considero que este tema é uma questão chave das eleições autárquicas no Porto e um elemento que pode diferenciar os candidatos:
  • Necessidades de adaptação do cluster do habitat (construção civil, materiais de construção, arquitetura) ao processo de reabilitação, abandonando progressivamente o paradigma da construção nova; experiências de outros programas de reabilitação (Santiago de Compostela, por exemplo) mostram que essa adaptação não acontece facilmente;

  • Inundação do mercado de habitação para venda com degradação do valor dos imóveis, determinada pela política de libertação de ativos da banca e pela sua reduzida propensão em promover o arrendamento desses fogos;

  • Interrogações quanto ao modelo de financiamento que pode sustentar o estímulo da reabilitação para arrendamento, dada a ainda reduzida participação de investidores institucionais no processo;

  • Estabilização mais complexa do que o esperado (dado o contexto em que ocorreu) das alterações observadas no arrendamento urbano.

Eis um bom tema de debate político autárquico, sobre o qual os candidatos devem pronunciar-se. Mas também uma oportunidade para o Partido Socialista concretizar melhor a sua aposta na reabilitação como política pública de promoção de crescimento económico em tempos de constrangimento financeiro.

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