quarta-feira, 29 de maio de 2013

AS ARTES SOB FOGO

(Tim Brinton)


Ontem, em viagem de fim de dia, num tráfego que também ele no Porto parece refletir os apertos em que estamos todos mergulhados, a TSF trouxe-me os ecos das agruras da cultura, neste caso do teatro. Testemunhos muito contundentes, com particular realce para o de João Lourenço (Teatro Aberto) na sequência da publicação da decisão da Direção Geral das Artes sobre os apoios às companhias de teatro, envolvendo 54 entidades e um montante de 4,3 milhões de euros. João Lourenço, sem papas na língua, acusa o governo de ter uma estratégia de destruir companhias de teatro estáveis como o Teatro Aberto, decidindo contestar os critérios que determinaram a penalização desta instituição e do teatro da Barraca.
Consultei, por isso, a ata final da decisão da DGArtes para tentar compreender os critérios de apreciação subjacentes à decisão tomada (qualidade artística do programa, relevância do percurso artístico e profissional, consistência do projeto de gestão e comunicação e capacidade de geração de receitas próprias e outros financiamentos) e os fatores de majoração (circulação regular nacional, circulação internacional, serviço educativo, acolhimento regular de projetos emergentes, atividade maioritariamente fora do concelho de Lisboa).
Considero que estamos perante um material de grande relevância para o estudo da territorialização da cultura em Portugal, pois o que nos aparece é uma forte diversidade de experiências regionais, não me parecendo existir nenhum desequilíbrio visível discriminando a iniciativa fora da capital. O número de entidades e companhias situadas na região de Lisboa que não atingiram o “cut-off” dos apoios a conceder, ou seja, do grupo de entidades que não foram contempladas com apoios, é significativo. Como é compreensível, o meu conhecimento do panorama teatral nacional não me permite avaliar se a lista publicada é consistente. A sua consulta é, porém, reveladora. À medida que descemos no ranking constituído os cortes nos apoios solicitados descem para 50% e menos. Um critério expedito que utilizei foi verificar se nas primeiras 30 entidades/companhias classificadas estão as minhas referências. E aqui não saí muito frustrado. No topo da classificação, estão duas entidades que me merecem admiração: O Bando e o Teatro da Cornucópia e entre as 30 estão entidades como o Teatro do Bolhão, o Círculo de Cultura Teatral – TEP, a Comuna, o Teatro de Marionetas do Porto. Surpreendentemente, aparece em 3º lugar, logo atrás do Bando e da Cornucópia, o Teatro de Ferro com sede em Vila Nova de Gaia, que muito sinceramente desconhecia, o que não abona nada a favor da minha cultura residencial gaiense, mas que vale a pena conhecer.
A informação tem algo que ver com as cerejas e mesmo a propósito chegou-me em newsletter habitual uma reflexão vinda do blog da revista Foreign Policy que acompanho regularmente: “European Art in an age of austerity” de Joshua Keating. 
O artigo evidencia bem como o financiamento público da produção cultural está sob fogo nas economias do sul, mas também noutros países da UE como a Holanda. Mas o autor não deixa de referir que, apesar de toda a cena dos cortes de financiamento público à cultura, esse financiamento continuará apesar disso bastante acima do que os americanos considerariam exorbitante como apoio público. A questão é, porém, outra. Num contexto como o que se tem vivido, solicitar aos agentes culturais o acesso dominante a apoios privados é pura miragem. Daí que o autor se interrogue provocatoriamente se teremos neste contexto uma cultura europeia algo mais turbulenta e interventiva do que temos tido nos últimos tempos. Um dos patronos deste blogue, Hirschman, refere que há ciclos de deceção e de proatividade nas instituições e na sua participação nos destinos da sociedade. Todos os elementos apontam para que estejamos num ciclo proativo. E certamente a cultura não fugirá a essa tendência.
Tenho para mim que um dos maiores fatores de insustentabilidade das instituições culturais prende-se com questões de procura e de baixo consumo cultural per capita dos portugueses, embora haja progressão nesse domínio. O que é para mim bastante perturbador é a convicção de que o serviço privado e público (pasme-se, mas é assim) de televisão é o grande responsável por essa baixa propensão, pois em vez de contrariar o baixo nível de qualificação da população portuguesa, antes o prolonga e explora por vezes até à náusea, confundindo alarvemente entretenimento com degradação cultural. Basta percorrer a programação ao longo do dia em zapping aleatório para o compreender.

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