(Tim Brinton)
Ontem, em viagem de fim de dia, num tráfego que
também ele no Porto parece refletir os apertos em que estamos todos
mergulhados, a TSF trouxe-me os ecos das agruras da cultura, neste caso do
teatro. Testemunhos muito contundentes, com particular realce para o de João Lourenço (Teatro Aberto) na sequência da publicação da decisão da
Direção Geral das Artes sobre os apoios às companhias de teatro, envolvendo 54
entidades e um montante de 4,3 milhões de euros. João Lourenço, sem papas na
língua, acusa o governo de ter uma estratégia de destruir companhias de teatro
estáveis como o Teatro Aberto, decidindo contestar os critérios que
determinaram a penalização desta instituição e do teatro da Barraca.
Consultei, por isso, a ata final da decisão da DGArtes para tentar compreender os critérios de
apreciação subjacentes à decisão tomada (qualidade artística do programa,
relevância do percurso artístico e profissional, consistência do projeto de
gestão e comunicação e capacidade de geração de receitas próprias e outros
financiamentos) e os fatores de majoração (circulação regular nacional,
circulação internacional, serviço educativo, acolhimento regular de projetos
emergentes, atividade maioritariamente fora do concelho de Lisboa).
Considero que estamos perante um material de
grande relevância para o estudo da territorialização da cultura em Portugal,
pois o que nos aparece é uma forte diversidade de experiências regionais, não me
parecendo existir nenhum desequilíbrio visível discriminando a iniciativa fora
da capital. O número de entidades e companhias situadas na região de Lisboa que
não atingiram o “cut-off” dos apoios a conceder, ou seja, do grupo de
entidades que não foram contempladas com apoios, é significativo. Como é
compreensível, o meu conhecimento do panorama teatral nacional não me permite
avaliar se a lista publicada é consistente. A sua consulta é, porém,
reveladora. À medida que descemos no ranking constituído os cortes nos apoios
solicitados descem para 50% e menos. Um critério expedito que utilizei foi
verificar se nas primeiras 30 entidades/companhias classificadas estão as
minhas referências. E aqui não saí muito frustrado. No topo da classificação,
estão duas entidades que me merecem admiração: O Bando e o Teatro da Cornucópia
e entre as 30 estão entidades como o Teatro do Bolhão, o Círculo de Cultura
Teatral – TEP, a Comuna, o Teatro de Marionetas do Porto. Surpreendentemente,
aparece em 3º lugar, logo atrás do Bando e da Cornucópia, o Teatro de Ferro
com sede em Vila Nova de Gaia, que muito sinceramente desconhecia, o que não
abona nada a favor da minha cultura residencial gaiense, mas que vale a pena
conhecer.
A informação tem algo que ver com as cerejas e
mesmo a propósito chegou-me em newsletter habitual uma reflexão vinda do
blog da revista Foreign Policy que acompanho regularmente: “European Art in an age of austerity” de Joshua Keating.
O artigo evidencia bem como o financiamento
público da produção cultural está sob fogo nas economias do sul, mas também
noutros países da UE como a Holanda. Mas o autor não deixa de referir que,
apesar de toda a cena dos cortes de financiamento público à cultura, esse
financiamento continuará apesar disso bastante acima do que os americanos
considerariam exorbitante como apoio público. A questão é, porém, outra. Num
contexto como o que se tem vivido, solicitar aos agentes culturais o acesso
dominante a apoios privados é pura miragem. Daí que o autor se interrogue
provocatoriamente se teremos neste contexto uma cultura europeia algo mais
turbulenta e interventiva do que temos tido nos últimos tempos. Um dos patronos
deste blogue, Hirschman, refere que há ciclos de deceção e de proatividade nas
instituições e na sua participação nos destinos da sociedade. Todos os
elementos apontam para que estejamos num ciclo proativo. E certamente a cultura
não fugirá a essa tendência.
Tenho para mim que um dos maiores fatores de
insustentabilidade das instituições culturais prende-se com questões de procura
e de baixo consumo cultural per capita dos portugueses, embora haja
progressão nesse domínio. O que é para mim bastante perturbador é a convicção
de que o serviço privado e público (pasme-se, mas é assim) de televisão é o
grande responsável por essa baixa propensão, pois em vez de contrariar o baixo
nível de qualificação da população portuguesa, antes o prolonga e explora por
vezes até à náusea, confundindo alarvemente entretenimento com degradação
cultural. Basta percorrer a programação ao longo do dia em zapping
aleatório para o compreender.
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