quinta-feira, 16 de maio de 2013

BARALHADA E PERPLEXIDADES



O artigo de Isabel Arriaga e Cunha no Público de hoje sobre a pretensa viragem de opinião dos alemães sobre a não razoabilidade dos custos da austeridade pela austeridade dá que pensar. Isabel Arriaga e Cunha não é uma jornalista qualquer, é na minha opinião, juntamente com Teresa Sousa, a mais avisada e pedagógica sobre o processo conturbado da construção europeia que escreve na imprensa portuguesa. Por isso, a peça de hoje tem água no bico, pois não acredito que seja construída com base em rumores. Deve haver por isso elementos com algum grau de objetividade para justificar tão inesperada revelação.
A peça refere que a Comissão Europeia começa a ficar isolada na sua reiterada abordagem aos programas de ajustamento das economias do sul, não traduzindo no terreno da negociação e das ajudas a abertura de posições que tem manifestado ao nível dos contactos de superestrutura, usando uma duplicidade de reflexões e de práticas concretas. Os adjetivos mencionados e colocados na boca dos alemães em relação à Comissão Europeia são fortes: incompetente, ineficaz ou rígida. A jornalista não refere fontes, nem recorre a testemunhos individualizados. Mas recorre a uma referência sugestiva que é a do termo austeridade ter na Alemanha uma conotação de sofrimento que não é equivalente à ideia de rigor orçamental e de poupança que pretensamente refletirá melhor o pensamento alemão sobre a matéria.
O tema da peça jornalística de Isabel Arriaga e Cunha merece monitorização atenta, pois pode ajudar a construir uma explicação sólida sobre as razões que conduziram a este estado de coisas e que consiste na confusão ardilosa entre rigor orçamental e austeridade recessiva.
É nesse campo que vale a pena aqui mencionar o mais recente artigo de Paul Krugman para a New York Review of Books sobre as razões que em seu entender explicam o cerco da política económica atual pelas teses da austeridade. Krugman situa a emergência desse cerco em função de dois artigos e as particularidades da situação concreta grega: o artigo de Alesina com os seus amigos da Bocconi de Milão sobre o tema da austeridade expansionista (os cortes de despesa pública pretensamente não teriam os impactos recessivos que se esperaria) e o artigo de Reinhart e Rogoff sobre o pretenso limiar dos 90% de peso da dívida pública no PIB como fator de forte penalização do crescimento económico dos países endividados e as trapalhadas orçamentais gregas que fizeram o coro que os dois artigos necessitavam. Ambos os artigos estão hoje desacreditados e a evolução da situação grega mostra que a desordem orçamental interna não é a fonte de todos os seus males. O que significa que a teimosia no erro não tem hoje fundamentos racionalizadores que validem a persistência no erro, sobretudo num contexto em que os demónios da inflação estão adormecidos para algum tempo e a recessão campeia pela Europa, com a França a entrar para o clube. Mas persiste! Que razões mais profundas explicarão a sua continuidade?

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