O artigo de Isabel Arriaga e Cunha no Público de hoje sobre a pretensa viragem de opinião dos alemães sobre a não
razoabilidade dos custos da austeridade pela austeridade dá que pensar. Isabel
Arriaga e Cunha não é uma jornalista qualquer, é na minha opinião, juntamente
com Teresa Sousa, a mais avisada e pedagógica sobre o processo conturbado da
construção europeia que escreve na imprensa portuguesa. Por isso, a peça de
hoje tem água no bico, pois não acredito que seja construída com base em
rumores. Deve haver por isso elementos com algum grau de objetividade para
justificar tão inesperada revelação.
A peça refere que a Comissão Europeia começa a
ficar isolada na sua reiterada abordagem aos programas de ajustamento das
economias do sul, não traduzindo no terreno da negociação e das ajudas a
abertura de posições que tem manifestado ao nível dos contactos de
superestrutura, usando uma duplicidade de reflexões e de práticas concretas. Os
adjetivos mencionados e colocados na boca dos alemães em relação à Comissão
Europeia são fortes: incompetente, ineficaz ou rígida. A jornalista não refere
fontes, nem recorre a testemunhos individualizados. Mas recorre a uma referência
sugestiva que é a do termo austeridade ter na Alemanha uma conotação de
sofrimento que não é equivalente à ideia de rigor orçamental e de poupança que
pretensamente refletirá melhor o pensamento alemão sobre a matéria.
O tema da peça jornalística de Isabel Arriaga e
Cunha merece monitorização atenta, pois pode ajudar a construir uma explicação
sólida sobre as razões que conduziram a este estado de coisas e que consiste na
confusão ardilosa entre rigor orçamental e austeridade recessiva.
É nesse campo que vale a pena aqui mencionar o
mais recente artigo de Paul Krugman para a New York Review of Books sobre as razões que em seu entender explicam o cerco
da política económica atual pelas teses da austeridade. Krugman situa a emergência
desse cerco em função de dois artigos e as particularidades da situação
concreta grega: o artigo de Alesina com os seus amigos da Bocconi de Milão
sobre o tema da austeridade expansionista (os cortes de despesa pública pretensamente
não teriam os impactos recessivos que se esperaria) e o artigo de Reinhart e
Rogoff sobre o pretenso limiar dos 90% de peso da dívida pública no PIB como
fator de forte penalização do crescimento económico dos países endividados e as
trapalhadas orçamentais gregas que fizeram o coro que os dois artigos
necessitavam. Ambos os artigos estão hoje desacreditados e a evolução da situação
grega mostra que a desordem orçamental interna não é a fonte de todos os seus
males. O que significa que a teimosia no erro não tem hoje fundamentos racionalizadores
que validem a persistência no erro, sobretudo num contexto em que os demónios
da inflação estão adormecidos para algum tempo e a recessão campeia pela
Europa, com a França a entrar para o clube. Mas persiste! Que razões mais
profundas explicarão a sua continuidade?
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