Toda a entrevista de Eduardo Lourenço a Teresa de
Sousa, hoje no suplemento 2 do Público é uma preciosidade. Juntam-se num
trabalho único uma das melhores jornalistas europeias sobre os temas da Europa
e um pensador cuja lucidez parece progressivamente decantada à medida que
caminha para os 90 anos (glória ao 23 de maio). Só quem ama a cultura francesa
e compreende as suas fragilidades de hoje, incapaz de proporcionar um rumo a
uma Europa fraturada, como Eduardo Lourenço, pode ter uma perspetiva profunda
da crise de rumo com que o projeto europeu hoje se debate, talvez
inexoravelmente. Só também quem tem memória, e que memória, como a de EL pode
dar a tudo isto um sentido. Ele, mais do que ninguém, compreendeu bem cedo que
a questão portuguesa, com todas as suas particularidades, não pode ser superada
a não ser numa solução europeia. Uma dominância de causas externas que não
significa determinismo, mas que antes sempre se manifesta através de dados
diversos da economia e da sociedade portuguesa, como historicamente um dos
inspiradores deste blogue, Fernando Henrique Cardoso, lapidarmente nos ensinou.
Apenas um excerto da preciosidade:
“(…) Agora o país é pobre. Não havia aqui grandes coisas. E
foi tão pobre que fomos ao Oriente buscar qualquer coisa que nos impôs ao mundo
mais de um século e meio, o que não é pouco. O centro de Portugal era aí.
Depois chamou-se Bahia, Rio de Janeiro.
Mas tenho de confessar-lhe que estou a viver isto como um
pesadelo. Acordo a pensar que isto vai passar, porque também temos de criar
algumas defesas. Mas sempre com esta ideia de que alguém nos vai resolver isto.
E esse alguém tem um nome: Europa. Não este ou aquele país, mas a Europa no seu
conjunto. Neste momento, as coisas em França não estão a correr bem, o que me
preocupa. É por excesso de utopismo e em função de mitos que já não funcionam. A
França pensa que ainda tem alguns “trunfos” que já não tem. Mas, pelo contrário,
a Europa tem “trunfos” fantásticos. Um país como a França anda em competição ao
nível dos aviões com a própria América. Ora, imagine-se o que seria se
estivessem a funcionar com a Inglaterra e com a Alemanha? A Europa dava cartas.
Mas não conseguem. Continuam a funcionar como nações do século XIX. Vão
disputar o espaço da China. Vai a Alemanha com os seus comboios, vai a França
com os seus, para ver quem ganha. Continuam a funcionar como se fossem nações
como no século XIX. Passa-se qualquer coisa aqui. Não há uma liderança europeia
digna desse nome.
(…) Provavelmente, o resumo de tudo isto – e essa é uma
mudança de paradigma total – é que a Europa que esteve no mundo e que foi o mundo, já não está na Europa, está
inscrita em qualquer coisa mais vasta que é esta cultura globalizante, que não é
uma abstração, que está num sítio que se chama América. Nós somos todos
americanos, sabendo ou não sabendo, gostando ou não gostando. Veja que vivemos
a eleição de Obama como se fosse a eleição do rei da Europa que não existe. Ou
até do mundo.”
Cristalino.
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