domingo, 19 de maio de 2013

PRECIOSIDADES (11)



Toda a entrevista de Eduardo Lourenço a Teresa de Sousa, hoje no suplemento 2 do Público é uma preciosidade. Juntam-se num trabalho único uma das melhores jornalistas europeias sobre os temas da Europa e um pensador cuja lucidez parece progressivamente decantada à medida que caminha para os 90 anos (glória ao 23 de maio). Só quem ama a cultura francesa e compreende as suas fragilidades de hoje, incapaz de proporcionar um rumo a uma Europa fraturada, como Eduardo Lourenço, pode ter uma perspetiva profunda da crise de rumo com que o projeto europeu hoje se debate, talvez inexoravelmente. Só também quem tem memória, e que memória, como a de EL pode dar a tudo isto um sentido. Ele, mais do que ninguém, compreendeu bem cedo que a questão portuguesa, com todas as suas particularidades, não pode ser superada a não ser numa solução europeia. Uma dominância de causas externas que não significa determinismo, mas que antes sempre se manifesta através de dados diversos da economia e da sociedade portuguesa, como historicamente um dos inspiradores deste blogue, Fernando Henrique Cardoso, lapidarmente nos ensinou.
Apenas um excerto da preciosidade:
“(…) Agora o país é pobre. Não havia aqui grandes coisas. E foi tão pobre que fomos ao Oriente buscar qualquer coisa que nos impôs ao mundo mais de um século e meio, o que não é pouco. O centro de Portugal era aí. Depois chamou-se Bahia, Rio de Janeiro.
Mas tenho de confessar-lhe que estou a viver isto como um pesadelo. Acordo a pensar que isto vai passar, porque também temos de criar algumas defesas. Mas sempre com esta ideia de que alguém nos vai resolver isto. E esse alguém tem um nome: Europa. Não este ou aquele país, mas a Europa no seu conjunto. Neste momento, as coisas em França não estão a correr bem, o que me preocupa. É por excesso de utopismo e em função de mitos que já não funcionam. A França pensa que ainda tem alguns “trunfos” que já não tem. Mas, pelo contrário, a Europa tem “trunfos” fantásticos. Um país como a França anda em competição ao nível dos aviões com a própria América. Ora, imagine-se o que seria se estivessem a funcionar com a Inglaterra e com a Alemanha? A Europa dava cartas. Mas não conseguem. Continuam a funcionar como nações do século XIX. Vão disputar o espaço da China. Vai a Alemanha com os seus comboios, vai a França com os seus, para ver quem ganha. Continuam a funcionar como se fossem nações como no século XIX. Passa-se qualquer coisa aqui. Não há uma liderança europeia digna desse nome.
(…) Provavelmente, o resumo de tudo isto – e essa é uma mudança de paradigma total – é que a Europa que esteve no mundo  e que foi o mundo, já não está na Europa, está inscrita em qualquer coisa mais vasta que é esta cultura globalizante, que não é uma abstração, que está num sítio que se chama América. Nós somos todos americanos, sabendo ou não sabendo, gostando ou não gostando. Veja que vivemos a eleição de Obama como se fosse a eleição do rei da Europa que não existe. Ou até do mundo.”
Cristalino.

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