Os tempos vão trágicos para as bolsas (as nossas,
não as dos mercados financeiros), mas para as ideias económicas o campo é fértil.
O Financial Times tem sido o espaço de
acolhimento de uma das mais recentes controvérsias que pode resumir-se na seguinte questão: a
austeridade que dramaticamente empobrece os países da Europa do Sul a passos
largos resulta da pressão dos mercados ou dos políticos?
Roger Altman (Evercore
Partners, secretário de estado americano em 1993-94) e Martin Wolf
(Financial Times) são os personagens em confronto, mas as suas posições são
representativas de um campo mais alargado de intervenientes.
Altman vem em socorro dos países do Norte (mais
propriamente dos políticos que exercem atualmente o poder), sustentando que são
os mercados e não os políticos do Norte, já que em seu entender foram as
dificuldades de acesso aos mercados, decididas por estes e não por aqueles,
quando os credores internacionais decidiram não prolongar empréstimos a esses
países, entre os quais Portugal. Daí a contínua subida dos yields dos títulos
desses países sobretudo no período entre 2010 e meados de 2012. Os políticos
estariam inocentes e a história atribuirá aos ditames dos mercados financeiros e
dos credores invisíveis as razões da austeridade e não a sentimentos punitivos
e de subjugação dos primeiros.
Wolf, pelo contrário, parte da evidência de que o
Reino Unido e a Espanha apresentam trajetórias similares de peso líquido da dívida
pública no PIB a partir de 2007/08 e apesar disso registam uma forte discrepância
dos yields das suas dívidas
soberanas, com forte penalização para a Espanha. E qual será a razão? Apenas o
facto dos mercados perceberem que, no Reino Unido, há uma entidade, o banco
central, que garante a liquidez no mercado da dívida soberana, ao passo que no
caso espanhol, apesar dos esforços do BCE nos últimos tempos, não existe o tal
garante de última instância da liquidez da dívida. Aliás, bastou Draghi chegar-se
à frente, embora não resolvendo o pecado original da base estatutária do BCE,
para que o declínio dos yields da dívida
espanhola descessem.
Por conseguinte, não são os mercados que explicam
os ditames da austeridade. São os políticos que não compreenderam que uma união
económica e monetária é para levar até ao fim nas suas consequências e que
despertaram os demónios da austeridade para ocultar as inconsistências do edifício
que criaram. Poderiam, por exemplo, ter ressuscitado as teses de Keynes e
trabalhado uma solução de permanência de moedas nacionais e uma moeda comum, um
euro, para transações internacionais. Não o fizeram. Não sabemos se por má fé,
incompetência ou simplesmente porque admitiram que passo a passo poderiam ir
reparando as fragilidades do edifício, esperando que a pressão das dívidas
soberanas sobre o edifício nunca se manifestassem com tanta premência e
intensidade como aconteceu.
A melhor demonstração da não consistência das
teses de Altman é a despropositada (pelo timing) intervenção de Schauble sobre
uma união bancária a dois tempos. O ministro alemão sabe que o edifício
continua frágil e que os custos da redenção pela austeridade nas economias do
sul colocam a Alemanha sob o “fogo” da desconfiança mundial.
E Altman recua, não direi com o rabinho entre as
pernas, ao confirmar na sua resposta a Wolf que a intervenção de Draghi em matéria
de garantia da dívida soberana da eurozona reduziu substancialmente a
necessidade de austeridade: “enquanto que a austeridade não foi opcional para
grande parte da crise bancária e de dívidas soberanas de 2010-2013, é hoje em
grande medida opcional”. Afinal em que ficamos? São os mercados a impor a
austeridade ou ela resulta da incompetência política em não compreender que a
base estatutária do BCE é um produto de um ditame ideológico que se atravessou
no caminho da construção da união económica e monetária? A austeridade pela
austeridade é sim do foro político e a história ao contrário do que Altman
pensa reconhecerá a sua inconsistência.
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