sábado, 2 de novembro de 2024

AS ELEIÇÕES AMERICANAS E A ECONOMIA

 

(Tal como o meu colega pertinentemente o assinalou, talvez haja em Kamala Harris algum traço de personalidade ou de programa e de ideias que impeça o seu mais largo reconhecimento entre o eleitorado americano. Não o sabemos, creio que os especialistas de comunicação também não sabem, porque se o soubessem teriam ensaiado alguma solução para contrariar esse tal pretenso elemento X. E também é verdade que se o soubessem e não tivessem antídoto estariam calados como ratos. O problema parece-me estar em que continuamos a tentar compreender as eleições americanas com um modelo de racionalidade ocidental e à nossa maneira, quando o que se passa na sociedade americana não tem nada que ver com racionalidade. Por mais discursos mitigadores e de confiança no eleitorado americano que alimentemos, a verdade é que a existência de uma massa tão grande de americanos que acreditam nas vantagens de um crápula e verbalmente incontinente para gerir os destinos dos EUA mostra que existe muita gente que não é de confiança e que a propensão democrática dessa mesma sociedade está exaurida. Um dos argumentos que evidencia a baixa racionalidade existente em tudo isto é o facto da campanha de Trump insistir num estado da economia americana que não é real. Podemos até concluir que a desigualdade emerge claramente na economia americana como uma espécie de preço do maior crescimento económico que os EUA conseguem atingir comparativamente com o modelo europeu mais igualitário. Mas, absurdo dos absurdos, o programa económico de Trump é claramente mais inspirado no agravamento dessa desigualdade como preço do crescimento, além de que (ver testemunho dos Prémios Nobel de Economia) o ritmo de crescimento que o seu isolacionismo irá provocar é mais baixo. Haverá argumento mais claro para mostrar que não é a racionalidade que vai determinar o resultado no próximo dia 5 de novembro?)


Como o Economist o assinala e embora alguns economistas tenham sabiamente lembrado que o efeito da tecnologia no crescimento económico não seja o de outros tempos, a verdade é que graças essencialmente ao desempenho dos grandes campeões tecnológicos e à pujança do empreendedorismo de base tecnológica imbricado num também pujante sistema de capital de risco, os EUA comandam a evolução da produtividade do trabalho. Lembra o Economist que “este ano, o trabalhador americano médio gerará 171.000 dólares de produto económico, o que compara em termos de paridade de poder de compra com os 120.000 dólares na zona euro, 118.000 dólares nos Reino Unido e 96.000 no Japão”. São números impressionantes, que confirmam que a realidade dos factos económicos não está em linha com a perceção que Trump e os seus apaniguados querem fazer passar, para justificar a sua onda perversa de nacionalismo económico, a roçar já o isolacionismo. E mesmo se descontarmos que os trabalhadores americanos têm uma vida desgraçada em termos de menos férias para o seu lazer, a verdade é que a produtividade por hora de trabalho continua a revelar um desvio significativo favorável aos americanos: aumento de 73% nessa produtividade em confronto com os aumentos de 39% na zona Euro e de 55% no Reino Unido e no Japão.
 

É também conhecido que a bravata económica americana tem sido conseguida à custa de uma maior desigualdade interna e de uma polarização que não tem parado de crescer. Ora, é neste aspeto que encontro uma evidência clara da irracionalidade do eleitorado americano. A massa de eleitores que apoia Trump (compreensível e racionalmente no topo dos mais ricos, incompreensivelmente na base dos mais pobres) parece ignorar que o programa de Trump se orienta deliberadamente por aumentar o preço a pagar em matéria de desigualdade pelo crescimento económico atingido. Pior ainda, produzirá efeitos negativos no crescimento económico e na inflação e não reduzirá a desigualdade.
 

Meus Amigos, quando as coisas descambam para a irracionalidade, como manifestamente é o caso da massa de apoiantes de Trump, passo e reconheço que não tenho nada a dizer sobre o assunto. Iremos provavelmente pagar pela irracionalidade de parte do eleitorado americano. Espero enganar-me mas estou pessimista.
 

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