(Uma reflexão simples de início da noite de um domingo, preparado para mais uma semana de labuta, com mais uma ida a Lisboa, desta vez para apresentar um trabalho de avaliação que coordenei para a Fundação Calouste Gulbenkian e Fundação Bissaya Barreto do Programa Cidadãos Ativ@s apoiado pelo EEA Grants. O evento do próximo dia 20 de novembro tem alguma envergadura, estima-se uma participação de mais de 400 pessoas identificadas com os temas da cidadania, dos direitos humanos, do empoderamento de públicos vulneráveis e da capacitação de ONG. Inspirado pelo tema e cada vez mais seguro de que ele tem uma extrema atualidade nos tempos que correm, nada melhor de que a confirmação de que as liberdades sociais e políticas estão em queda acelerada e não apenas com o regresso de Trump ao poder. Segundo os dados da Freedom House essa queda vem de há mais longo tempo, podendo por isso dizer-se que o regresso de Trump e de outros personagens aos corredores do poder é ele próprio sintoma e consequência desse processo de erosão da liberdade, paradoxalmente validado em sede de processos eleitorais. O que também significa que confundir as liberdades democráticas apenas com a possibilidade de realização de eleições livres será no futuro próximo cada vez mais redutor. A recomposição da administração americana federal induzida pela vitória de Trump vai trazer ao exercício do poder personalidades que não se inibem de expressar a sua sedução por personalidades autocratas e regimes autoritários, agora que o controlo das instituições é total, Governo, Senado, Congresso e Supremo Tribunal de Justiça.)
O gráfico da Freedom House é bastante ilustrativo e se quiséssemos diversificar as fontes de cobertura da erosão das liberdades que vai sendo observada por todo o mundo, procurando outras fontes prestigiadas e em que possamos confiar, não seria difícil encontrar outros indicadores e gráficos mais ou menos eloquentes do que este, mas seguramente refletindo todos essas sombras que pairam sobre as liberdades sociais e políticas. Caminhamos para um contexto em que as liberdades democráticas se revelam cada vez mais a expressão de uma época relativamente curta no tempo longo e se apresentam cada vez mais rarefeitas geograficamente falando.
O Programa Cidadãos Ativ@s cuja avaliação irei apresentar na Gulbenkian na próxima quarta-feira, inserido num evento bastante mais vasto e relevante do que essa avaliação, atua ao nível micro das ONG e das Organizações da Sociedade Civil (OSC) procurando construir resiliência, capacitação e engenho nesse plano. Mas essa dimensão do fortalecimento da sociedade civil não pode deixar de ter uma mediação para a intervenção política e um diálogo aberto e franco com o exercício da política seja ela praticada a nível nacional ou a nível regional e local. Os mecanismos de valorização da sociedade civil não podem ser entendidos como a última peça da resistência política, dando de barato que a política já não consegue orientar-se para a defesa dos comuns e do interesse público. Esse combate não deve ser abandonado. Esse abandono tornará a política presa fácil dos que têm acedido ao autoritarismo através de eleições, assim como será crucial não deixar de combater os que se perpetuam no poder através do jogo democrático viciado, de esquerda ou de direita não importa.
Mas o gráfico da Freedom House, independentemente dos dezoito anos serem mais ou menos corretos como datação do início do processo de erosão das liberdades sociais e políticas, mostra também que muito provavelmente o mundo esteve pouco atento aos sinais dessa erosão, encolhendo os ombros ou normalizando o que não pode de todo ser normalizado.
Essa falta de atenção está perversamente presente e visível em muita gente, cidadãos medianos ou gente esclarecida e com poder mediático, que têm vindo sistematicamente a proclamar a velha tese de que afinal eles não são assim tão maus como os pintam (Trump, extrema-direita, Chega e outros que tais). A história é tão clara em fornecer-nos exemplos eloquentes dessa propensão para a banalização do mal que até impressiona.
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