(O sempre perspicaz jornalista galego Fernando Salgado, a quem recorro frequentemente, tem na VOZ DE GALÍCIA uma inspirada crónica sobre as questões ainda pendentes na composição da “nova” Comissão Europeia de Ursula von der Leyen. A parte fundamental dessas questões pendentes relaciona-se com a ainda não validação do nome da espanhola Teresa Ribera para Comissária e Vice-Presidente de von der Leyen. O que é o mesmo que dizer que, em tempos em que a União Europeia deveria estar unida em torno das preocupações de futuro, como o assinalou Borrel na sua despedida, assiste-se a uma perigosa interdependência entre questões de política nacional, a luta PP-PSOE em Espanha, e as questões europeias. O sal da crónica de Salgado está no facto de ele invocar a máxima de Corleone no Padrinho, de que não são questões pessoais, mas apenas questões de “business”. Como aliás tive desse facto uma ampla premonição, tudo se enraíza na tragédia da Comunidade Valenciana, que apelidei em crónica própria de tragédia da governação multinível em ambiente de resposta a catástrofes. O PP de Feijoo não aguentou bem a incompetência de atuação do líder regional, Mazón, PP de quatro costados e se bem que nestas tragédias não haja, regra geral, nível de governação, nacional, regional ou local que salve o coiro, tentar inverter a origem da incompetência do regional para o nacional mostra bem o desespero que a situação provocou ao PP, cansado de tanto lutar para arredar Sánchez do poder e cada vez mais agoniado pelo estatuto de e “sempre em pé” que Sánchez tem assumido, com os malabarismos mais estranhos e perigosos. A arma que estava mais à mão era precisamente a ida de Teresa Ribera para a Comissão Europeia, já que a política espanhola estava no Governo e tinha responsabilidades de intervenção na resposta à catástrofe.)
A crónica de Salgado bate forte e feio na aliança em curso entre o PP de Feijoo e o grupo dos Populares Europeus no Parlamento Europeu, chefiado pelo alemão Manfred Weber. Se existe personalidade europeia em que menos confio sobretudo do ponto de vista de barrar o caminho à normalização da extrema-direita, Manfred Weber personifica bem esse estatuto. Estou claramente com Salgado quando ele refere que “Weber pretende liquidá-los, a Sánchez e a Ursula, ou pelo menos debilitá-los, porque ambos representam os últimos obstáculos que o impedem de alcançar o seu objetivo: incorporar a extrema-direita, uma vez ultrapassado o cordão sanitário, na governação da União Europeia”.
Há aqui duas matérias que importa distinguir bem.
Uma coisa é a legitimidade do combate político às manobras de resiliência no poder por parte do PP, tanto mais legítimo quanto mais se conhece a estranha heterodoxia e o caráter ziguezaguiante do comportamento de Sánchez para se manter no poder. Permanentemente obrigado a negociar com os seus parceiros regionalistas do acordo parlamentar que mantém o PSOE no Governo, cada traço negocial acrescenta instabilidade à situação política e, nesse contexto, a barganha política é totalmente legítima. Já estender essa barganha política ao “depois” de uma tragédia com as proporções da ocorrida na Comunidade valenciana revela bem o gelo fino em que se desenvolve a política espanhola, tão fino que me espanta não tenha ainda quebrado totalmente.
Mas outra coisa bem diferente é transpor essa barganha política para o plano europeu, sobretudo neste contexto. Não acredito que esse passe de mágica de Feijoo, procurando triturar uma das mais competentes peças do governo espanhol, sobretudo na matéria da transição climática, não tenha tido a aprovação e aplauso de Manfred Weber. Certamente que haverá águas passadas entre Weber e Sánchez que tenham ajudado à missa, mas creio que a inspiração de Salgado não deve andar ao lado da raiz do problema.
O que me parece é que a União Europeia se prepara lentamente para acolher o novo período de geopolítica mundial anunciado pelo entronizado Trump. Não sou particular adepto de analogias históricas descontextualizadas, fruto regra geral de pensamento banal e pouco fundamentado. Mas este comportamento de normalização e não de cerrar fileiras das instituições europeias assusta até o cidadão mais afastado da discussão política.
Nota complementar
Se havia dúvidas da perversidade de tudo isto, chego agora a uma notícia que dá conta da negociação de Sánchez para deixar passar a candidatura de Meloni do ultra-direitista Raffaele Fitto em troca da aprovação de Teresa Ribera. Perversidades de mais para meu gosto.
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