(Economistas de grande prestígio académico e científico têm salientado a forte deriva de concentração empresarial na economia americana como um traço ameaçador da evolução do capitalismo. Esta deriva de concentração opõe-se de certo modo às manigâncias do capitalismo de Estado chinês apoiado pelo sistema autoritário e repressivo do Partido Comunista Chinês. Os efeitos dessa deriva de concentração nos grandes conglomerados empresariais têm sido estudados em profundidade, com reflexos, por exemplo, na concentração da procura de trabalho, em parte responsável pelo desvio acentuado que se tem observado entre os ganhos de produtividade apropriados pelas empresas e as melhorias do salário real. Há quem diga mesmo que as tão estudadas leis anti-trust correm o risco de se transformarem em peça de museu. Não espanta por isso que a evolução da desigualdade na sociedade americana seja nos últimos tempos marcante. Mas existem também efeitos noutras dimensões da vida humana, com relevo para a concentração dos conglomerados de investigação científica empresarial e nos media. A questão da regulação empresarial e dos mercados foi sempre considerada pelo capital americano como uma fonte permanente de travão à dinâmica de inovação empresarial, movimento esse que teve o seu esplendor de realizações no desmantelamento da regulação dos mercados financeiros que antecedeu a grande crise de 2007-2008, a chamada Grande Recessão, e sobre a qual todos conhecemos as mais nefastas consequências não só para os EUA, mas também para todo o mundo via interdependências que a globalização financeira e a revolução digital associada ajudaram a construir. Até agora esse movimento de contra-regulação e glorificação da liberdade económica sem quaisquer entraves teve obviamente impacto no exercício da política americana. Grande parte do apoio financeiro à campanha de Trump veio desse universo de amantes da contra-regulação. Com o que sabemos hoje da entrada em cena da nova administração americana, podemos estimar que entraremos numa era ainda mais avançada dessa grande tendência. Designamos essa nova era de modelo MUSK da captura da regulação e não me parece difícil explicar a sua emergência.)
Quando se visualizam algumas imagens em público da trupe Trump, antes e depois da retumbante vitória eleitoral, e se repara num indivíduo sem a envergadura física do novo Presidente aos saltos, aparentemente louco de contentamento com a sua presença em palco, esse é Elon Musk. O homem está esfuziante de entusiasmo e isso deve corresponder a um cálculo racional premeditado.
O que o supermilionário da Tesla nos traz de novo é este raciocínio: em vez de andar para aí a fazer lobby para a desregulação da economia americana, a financiar todo o bicho careta com potencial de intervenção decisiva nessa matéria, talvez seja melhor ir diretamente para a política e, à luz do meu espírito empresarial, influenciar diretamente a governação e colocar os senhores da regulação em patins para um desaparecimento o mais rápido possível de cena. Como é óbvio, Musk não integrará o governo propriamente dito, mas é-lhe atribuída uma tarefa, a de virar do avesso a administração federal americana, reduzindo-a ao mínimo possível e fazendo da regulação uma recordação do passado. Até porque se o integrasse, a montanha de conflitos de interesse que se formaria seria gigantesca. Como é óbvio, colocando ao seu serviço a sua rede X, a qual dá mostras (que o digam o Guardian e o La Vanguardia que já declinaram postar nessa rede e não será por acaso ou capricho) de poder responder solicitamente às ambições do patrão.
É conhecida a sedução que as redes de informação geridas pelo governo Chinês para orquestrar a sua forma de capitalismo totalitário exercem junto de Musk. E isso leva-o a não desistir de transformar o X em algo de omnipresente e esmagador na vida quotidiana dos americanos. Por isso, dirá Musk, é tempo de abandonar as vias de influência indireta e tomar diretamente as rédeas da desmontagem selvagem dos sistemas de regulação. Influenciar, já não, capturar isso sim.
Imagino que seja um racional desta natureza que inspira os grandes senhores da tecnologia a seguir Trump com dedicação, pois todos terão aqui a sua grande oportunidade de transformar radicalmente a economia americana e coloca-la submissa aos seus pés.
Estou com manifesta curiosidade em perceber se os nossos comentadores que se babam com o poder compensatório das instituições americanas continuarão a acreditar nessa bela imagem da sociedade americana, institucionalmente falando.
Uma outra dúvida, essa provavelmente a suscitar outros posts, é averiguar o que o meter nas mãos na massa de Musk significará do ponto de vista da eventual guerra comercial da administração Trump com a China. Sinceramente, não estou a ver como é que Musk poderá estar eventualmente interessado nessa contenda. Isto porque estamos perante uma personalidade incapaz de pensar em termos de interesse público, a liberdade irredutível comanda tudo. Mas é apenas de um modesto palpite que se trata.
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