terça-feira, 11 de março de 2014

DESIGUALDADE E CRESCIMENTO



Já por repetidas vezes o tema da crescente desigualdade nas economias de mercado foi aqui neste blogue colocado no centro da nossa reflexão crítica, pois ele constitui não apenas um dos resultados das políticas ortodoxas de consolidação de contas públicas, mas uma marca generalizada das economias de mercado, pelo menos das que mais se afastam das chamadas economias sociais de mercado.
O tema da desigualdade tem sido objeto de grande debate sobretudo na perspetiva de abordagem dos seus efeitos perniciosos de natureza social e política, primeiro pela destruição das condições de mobilidade social ascendente, fonte de todo o progresso social e, segundo, pela incompatibilidade que pode emergir entre democracia política e desigualdade.
O que tem marcado a novidade do curso que o fluxo do debate tem assumido é a discussão das suas implicações económicas. Essa translação do debate tem uma explicação e essa é a coexistência do agravamento da desigualdade com a estagnação económica. Como sabemos a conformidade da evolução de duas variáveis não significa que exista necessariamente uma relação causal entre as mesmas. Mas, neste caso, a novidade é que têm sido registados inúmeros progressos em matéria de investigação empírica que começam a apontar para a presença de relações de causalidade entre o agravamento da desigualdade e a estagnação do crescimento económico. Dito por outras palavras, começa a emergir entre os economistas mais atentos às evidências empíricas e ao seu tratamento a ideia de que a desigualdade pode constituir um obstáculo ao crescimento económico.
O que constitui uma profunda inversão da relação entre desigualdade e crescimento que marcou a abordagem inicial dos economistas a este problema. Durante largo tempo, os economistas interessados em mostrar que o desenvolvimento económico dos países seguia um padrão predeterminado tenderam em vão em ensaiar o enunciado de uma lei segundo a qual as economias de mercado em desenvolvimento atravessariam um estádio intermédio de desigualdade para só depois poderem ver reduzida essa desigualdade. O mote poderia ser enunciado grosseiramente segundo o lema “cresce primeiro para depois poderes redistribuir”, ou dito de outra maneira prepara-te politica e socialmente para aguentar uma transição feita de desigualdade para depois finalmente chegar a uma terra prometida de redistribuição, emulando os mais desenvolvidos.
Claro que os fervorosos adversários do determinismo histórico, materialista ou não materialista, sempre se opuseram a essa tese, não necessitando para isso de invocar evidência empírica.
A novidade nessa crítica está em que foi possível começar a identificar países que redistribuíram e não deixaram de crescer (o exemplo da Coreia do Sul sempre foi muito marcante, mas também as economias escandinavas) e mais do que isso os mais desiguais cresceram menos.
Ora, entre as evidências empíricas mais salientes dos últimos tempos, emerge claramente o trabalho empírico de dois economistas do FMI (pasme-se, esta instituição não deixa de nos surpreender tão contraditório é o seu trabalho), Jonathan Ostry e Andrew Berg. Duas ideias destacam-se dos seus trabalhos mais recentes: primeiro, desigualdade e crescimento insustentável podem ser considerados duas faces da mesma moeda; segundo, não há evidência credível de que as políticas redistributivas tenham efeitos penalizadores sobre o crescimento, antes pelo contrário. Em termos médios, a redistribuição e a consequente redução de desigualdades surgem robustamente associadas com mais crescimento e crescimento mais durável.

Ou seja, estamos perante resultados que nos põem loucos quanto ao cinismo dos que promovem receitas para os programas de ajustamento:
  • Ponto 1: os programas de ajustamento, tal como têm sido praticados, traduzem-se em inequívoco aumento de desigualdades.
  • Ponto 2: essas mesmas entidades não largam a retórica do crescimento para tentar suavizar o produto nefasto das suas próprias receitas.
  • Ponto 3mas investigação credível (por acaso produzida no interior dessas mesmas instituições, neste caso do FMI) demonstra que essa desigualdade é inimiga do crescimento e da sua estabilidade
Isto é ou não é de loucos? Estamos aqui perante um dos meus temas de investigação e reflexão preferidos: por que razão os economistas não conseguem fazer-se ouvir junto dos responsáveis pela política económica.

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