Manuela Ferreira Leite, sábado, Expresso, suplemento
Economia, “Reflexões”
“ (…) O país acordou estupefacto com a notícia
aparentemente bizarra de que o valor das pensões passaria a variar anualmente
de acordo com a evolução da economia e da natalidade. Ao insólito da proposta,
junta-se o facto de esta estar em apreciação no âmbito do documento de estratégia
orçamental a apresentar em Bruxelas, isto é, no âmbito do Ministério das
Finanças e não no do Ministério que tutela os assuntos sociais. Não se trata,
portanto, de alterações relativas à sustentabilidade do sistema, mas antes de
um artifício imaginativo para, mais uma vez, procurar reduzir despesas que
ajudem a cumprir o valor de um défice programado. (…) “
Vovó Ferreira Leite continua mortífera e louve-se
tal lucidez. Começa a ficar líquido que esta maioria não consegue uma visão de
sustentabilidade para o sistema de pensões, ao estilo do que o ministério de
Vieira da Silva introduziu e que tão boas referências provocou nas organizações
internacionais da época. O governo não consegue distinguir entre o que é peso
de insustentabilidade determinado pela situação de abaixamento do produto real
da economia face ao seu produto potencial e o que resulta de fatores
estruturais, como a produtividade e a taxa de fertilidade.
Sábado, Expresso, Gente, Melhores lugares de
Lisboa para escrever manifestos e intrigas
Sobre a reestruturação da dívida – Versalhes
Para ameaçar deitar abaixo governos - Avis
Para lixar a troika –Mercado de Martim Moniz
Para apoiar credores – Grémio Literário
Para negócios na CPLP – Horta dos Brunos
Para não pagar a dívida – Hotel Vitória
Para negociar com angolanos e chineses – Hotel Ritz
Para lembrar outros tempos - Turf
Um pouco de má língua e crónica social também
anima o fim-de-semana.
Rui Cardoso Martins, domingo, Suplemento 2 do
Público, “Conselho de Extravagâncias Públicas”
“ (…) Desde a histórica intervenção de Teodora, responsável
pelo Conselho das Finanças Públicas, em março de 2014, começou a sucessão de
milagres e o país ficou melhor, como diz o outro. Tão melhor que é uma alegria
conseguir voltar atrás, ao tempo em que éramos felizes. Como Teodora Cardoso,
ainda menina de saias, a provar o seu primeiro rebuçado em Estremoz, onde
nasceu.
Quando foi aplicada a nova taxa dos levantamentos,
perceberam os analistas, começou o “milagre do colchão de palha”: em vez de ter
dinheiro no banco, os portugueses quiseram receber tudo em notas e de uma só
vez, e pela porta do cavalo. E guardavam o dinheiro entre a esteira e o
colchão, a ganhar patine e humidade, dando um gosto especial á aventura de ir
comprar uma sardinha e duas carcaças para a família.
O fim do dinheiro de plástico (sujeito a taxas e impostos
automáticos) ditou também o reaparecimento dos açucareiros velhos, todos
nicados nas bordas, transformados em mealheiros de notas enroladas.
O êxito da iniciativa foi tão grande que alastrou às
solas falsas das botas dos cavalheiros (a chocalharem moedas de dois euros pela
rua) e aos soutiens e cintos de ligas das senhoras, carregados de notas de 20
euros, a abanarem as ancas à frente dos homens. Imediatamente, apraz-nos dizer,
se consolidou a viragem económica e houve efeitos colaterais muito positivos na
demografia: nasceram milhares de bébés com estas medidas de ajustamento
económico tão giras que despertam a vontade de fabricar mais heróis para uma
nação que vai pagar as dívidas até ao último cêntimo.
(…) Aos 70 anos, Teodora Cardoso ainda tem muito para dar
ao país e ao esforço de consolidação orçamental. É com alegria que assistimos a
esta fase mais criativa, abandonando anteriores posições negativistas, há
poucos meses, como sugerir que a política de redução de salários da troika nos
transformará num país de “terceiro ou quarto mundo”, ou insinuando que as
previsões do Governo eram “demasiado optimistas”. (…) “
Só o humor corrosivo de Rui Cardoso Martins é
capaz de lidar com a extravagância cardosiana da taxa dos levantamentos.
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