Tenho uma enorme simpatia pessoal e uma grande consideração política e/ou profissional pela maioria dos signatários do já chamado “Manifesto dos 70”. Tenho também um largo e essencial acordo em relação ao diagnóstico que fundamenta o dito documento, designadamente no que toca à completa insustentabilidade da dívida portuguesa nas circunstâncias que realisticamente podem definir a situação económica nacional no próximo futuro. E tenho ainda, e sobretudo, um claro enviesamento em favor de quaisquer tentativas lúcidas e sérias visando despertar, informar e agitar sadiamente os portugueses, assim contribuindo para o forjar de uma alternativa ao atual estado de logro demencial que domina a coisa pública em Portugal e por toda essa União Europeia.
Não obstante, tenho desde a primeira hora um problema com o manifesto. Um problema de desconforto que de imediato me assaltou quando de uma versão preparatória do mesmo me foi dado conhecimento. Nada que tenha a ver com essas ideias idiotas de que ele nega a realidade ou de que os mercados se poderiam zangar ao saberem que há responsáveis de muitos tipos e áreas políticas que teimam em pensar pela sua cabeça em Portugal. O meu problema com o manifesto é outro e pode dividir-se em quatro componentes interligadas: lidar eficazmente com um quadro institucional europeu adverso, escolher judiciosamente os destinatários, estudar rigorosamente as propostas concretas e atender obrigatoriamente ao que está em falta.
Porque uma coisa é o facto de este Governo ter ordeira e saloiamente capitulado perante as forças externas que se lhe iam deparando e outra bem diferente é compreender que um país mediano não logra resultados visíveis na imensa e complexa dimensão dos assuntos europeus sem um fine tuning negocial simultaneamente firme, inteligente e detalhado. Porque uma coisa é a inviabilidade de pagamento da nossa dívida pública nas condições presentes e outra bem diferente é a análise cuidada da contra-argumentação e dos termos concretos do quanto e do como – sublinhe-se aliás que, por uma vez, Passos tem alguma razão ao apontar os riscos de uma leitura da reestruturação como podendo conduzir a atingir os privados, para o que relevará ver o gráfico abaixo que evidencia a repartição da dívida por titulares (72,7% em mãos nacionais, sendo 34,4% detida por bancos portugueses). Porque uma coisa é a restrição externa que a dívida em última instância sintetiza e outra bem diferente é o cerne do trabalho de casa interno que tem sido largamente protelado e que continua por fazer, a tal reforma do Estado (apesar, et pour cause, da monstruosa artimanha de Portas!) ou o que Miguel Cadilhe hoje designa no JN por “compromisso reformista interno” (considerando-o escasso por parte de um eventual “reformador” que pretendesse protagonizar uma diligência equilibrada de restruturação da dívida).
Pela frente fica assim todo um programa de reflexão e trabalho com vista a aprofundar o tema no sentido de um debate inescapável e patriótico. Graças a uma iniciativa – que merece ser saudada e aplaudida – de João Cravinho e Bagão Félix. Que já serviu, ademais, para ressuscitar o lado mais bolorento do cavaquismo, castigando por delito de opinião dois consultores de Belém maiores e vacinados (Sevinate Pinto, 68 anos de idade, e Vítor Martins, 67 anos de idade) a quem o presidente não quis dispensar-se de ministrar uma pedagógica e exemplar lição de tolerância democrática...
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