Prossegue sem apelo nem agravo, e apesar da incredibilidade que vai sendo manifestada por tantos velhos do Restelo, essa extraordinária e milagrosa tendência que os mercados decidiram patrocinar e os políticos abençoar. Por cá, já de há algum tempo a esta parte que quase não há dia em que os nossos responsáveis governativos não festejem novas quebras das taxas de juro da dívida nacional e o atingir de valores de que há muito estávamos afastados (4,452% a 10 anos e 3,366% a 5 anos ontem, equivalendo a mínimos históricos desde abril e maio de 2010, respetivamente). Um fenómeno que – importará dizê-lo com frontalidade! – não é um exclusivo, nem mesmo uma dominante, desse glorioso esforço empreendido pelos portugueses sob a batuta da incomparável dupla Passos e Portas, antes constitui a resultante generalizada do novo mood com que políticos e especuladores convencionaram encarar a situação na Europa, assim tendo decretado, para todos os devidos efeitos, o fim da crise e o começo de uma aurora dourada.
Para que nos não fixemos em demasia no caso português, vejamos o exemplo da Itália com o comportamento fortemente descendente das suas taxas de juro ao longo do último ano (diferencial em relação às obrigações alemãs a 10 anos) que surge indicado no gráfico que abre este post. E a pergunta pertinente é: o que terá acontecido na economia italiana durante o referido período para dar sentido a tal evolução? Um crescimento económico muito mais acentuado? Não propriamente, visto que os anos de 2012 e 2013 evidenciaram ambos taxas muito negativas (-2,5% e -1,9%, respetivamente). Um desemprego em significativo retrocesso? Também não propriamente, visto que a correspondente taxa evoluiu de 11,8% em inícios de 2013 para 12,9% em inícios de 2014 (já não falando de um desemprego jovem a passar de 38,4% para 42,4%). Um défice público melhorado? Mais uma vez não, visto que o seu nível se terá mantido inalterado em torno de 3% do PIB. Então uma dívida pública em queda? Novamente não, visto que ela rondava os 127% do PIB há um ano e se situa atualmente à volta dos 132,9%. Ou seja: não existe racional macroeconómico palpável que permita atribuir um sentido ao “milagre” dos juros italianos, que o mesmo é dizer que o dito “milagre” esconde algo de mais profundo e complexo do que a mera decorrência da aplicação de um receituário político quase religiosamente centrado numa fé mercantil. Vamos lá deixar-nos de fitas, tá?
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