Seduz-me particularmente o acompanhamento e
reflexão sobre personalidades da teoria económica, com vasta e brilhante
produção académica, amplamente reconhecidas entre pares e pela sociedade, que
passam a exercer funções com influência decisiva na política económica e
monetária, seja porque assumem postos políticos, seja porque chefiam entidades
relacionadas com a política macroeconómica. Há, de facto, um tema de
investigação que me apaixona que é o modo como o pensamento económico se
transmite à decisão política e esse tema adquire uma outra chispa quando essa
translação de pensamento se concretiza entre o teórico e investigador e o
executor na mesma personalidade. A incontornável biografia de Keynes assinada
por Robert Skidelsky e o próprio registo dos Collected Writings de Keynes que
estou a reconstituir à medida que as edições em paperback se vão sucedendo oferecem-nos valiosíssimas informações
como na mesma personalidade se podem combinar as dimensões analítica e
sintética do pensamento humano (a abstração de Keynes versus o Keynes jogador e
especulador cambial, o Keynes político, negociador, diplomata, polemista
implacável. A obra recente de Marion Fourcade, Economists and Societies da Princeton Univesrity Press, é uma referência obrigatória nesta matéria.
O Banco da Reserva Federal dos EUA é um lugar de
referência para estas minhas reflexões. Arthur Burns, Paul Volcker, Ben
Bernanke e agora Janet Yellen, entre outros, são casos evidentes de académicos
que resolveram meter a mão na massa e comprometer-se com a aplicação de princípios
e teorias em torno dos quais desenvolveram a sua trajetória de investigação.
A chegada de Janet Yellen ao Banco da Reserva
Federal, tornada ainda mais mediatizável pela corrida com Larry Summers, da
qual este último acabou por retirar-se, foi recebida com elevadas expectativas,
ilustradas por exemplo pela extrema deferência com que os senadores republicanos,
regra geral, ostensivamente afrontadores de opiniões não alinhadas com o seu
ideário, receberam a apresentação inicial de Janet Yellen. Acontece que Yellen
chega ao seu posto num momento particularmente sugestivo da economia americana,
que parece recuperar, em termos de produto e de desemprego, mas em torno da
qual se têm levantado dúvidas diversificadas sobre a real dimensão da capacidade
produtiva ainda não aproveitada e sobre o real significado da redução
entretanto observada no desemprego.
John Cassidy, no Rational Irrationality da New Yorker, tem um excelente artigo sobre a semana aziaga de Janet Yellen. Na sua primeira conferência de imprensa com comunicação
dirigida aos mercados, as expectativas estavam criadas quanto à posição que
Yellen iria anunciar face à aproximação que a taxa de desemprego está a
concretizar face aos 6,5%, taxa inicialmente apontada pelo Federal Open Market
Committee, dirigido pela própria Janet Yellen, como um referencial para
inverter o comportamento da taxa de juro de curto prazo manejada pelo Fed. A
comunicação escrita que precedeu a conferência de imprensa deu a entender que o
Fed consideraria para a sua decisão outros indicadores que não apenas a taxa de
desemprego, integrando uma visão mais integrada do estado global do mercado de
trabalho não medido apenas pela taxa de desemprego e de pressões e expectativas
inflacionistas. Para além disso, nessa comunicação era referido que mesmo
depois de terminar o processo de “quantitative easing” que consiste como se tem
aqui referido em emissão monetária para compra de títulos, previsto para
outubro.
Com este contexto, a conferência de imprensa era
aguardada com muita expectativa, sobretudo para clarificar se o comunicado
escrito poderia ser interpretado como a possibilidade de manter a taxa de juro baixa
mesmo depois da taxa de desemprego descer abaixo dos 6,5%.
Ora, o problema é Janet Yellen explicou e bem que
a métrica do referencial dos 6,5% da taxa de desemprego era um referencial pobre
e que a dimensão de força de trabalho não aproveitada exigia uma família mais
ampla de indicadores, corrigindo assim o valor determinante da taxa de
desemprego. Mas em resposta a uma jornalista da Reuters que lhe perguntou que
duração temporal teria o período no qual, após a conclusão das operações de “quantitative
easing”, a taxa de juro não seria aumentada, Yellen precipitou-se
(ou não, quem sabe?) apontando para aproximadamente de 6 meses esse período. Os
analistas de mercado fizeram contas e terminando em outubro as referidas operações abril de 2015 seria o momento de inversão da
taxa de juro de curto prazo manejada pelo Fed.
E aqui chegamos ao que importa sobretudo
discutir. O que levou Janet Yellen a sugerir um timing que aparentemente contraria a sua própria interpretação de
que as subidas de taxa de juro serão decididas em funções das condições
concretas de momento de um painel relativamente amplo de variáveis? Simples
fruto de inexperiência face à pressão comunicacional? Ou desejaria influenciar
mesmo as expectativas de subida de taxa de juro? A verdade é que os mercados
financeiros internalizaram a ideia de que daqui a um ano a taxa de juro subirá.
Pois aqui está como tudo é diferente. Uma coisa é a calma, mesmo que
interventiva, do trabalho de investigação em gabinete. Outra coisa é o exercício
da função e o discurso para o mercado.
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