“ A República Portuguesa entrou na Comunidade Europeia no
melhor período desta, mas depois do estabelecimento da zona euro, do grande
alargamento a leste e da crise financeira internacional, abriu-se uma fase de
dificuldades no relacionamento entre os Estados e no crescimento económico, que
é a actual. Ressurge assim a tentação da procura de um qualquer mapa
cor-de-rosa que dê a ilusão de uma alternativa”.
Acresce que, depois da ratificação do Tratado de Lisboa,
com a mudança ds ponderação dos votos suficientes para as minorias de bloqueio,
emergiu um directório de facto dentro e fora dos órgãos formais da União
Europeia. Este novo dado veio alterar as condições de negociação e tomada de
decisões comunitárias, além de ter operado um recuo na “Europa dos Cidadãos”. No
lugar desta, emergiu de novo a “Europa das Chancelarias”, simbolizada na recusa
dos referendos sobre a matéria em causa e nas cimeiras bilaterais e de chefes
de governo que depois se multiplicaram com a crise das dívidas soberanas”.
A capa do último livro publicado e que li de
Medeiros Ferreira é a melhor forma de acusar neste blogue o desaparecimento de
uma personalidade ímpar da construção da democracia em Portugal e sobretudo do
pensamento que nos ajuda a situar a nossa posição no mundo.
Recordo-me que quando comecei a trabalhar mais
intensamente nos Açores e necessitei de me inteirar da identidade açoriana para
compreender entre outras coisas a sua geoestratégia tão deficientemente
aproveitada pela República Portuguesa, sobretudo do ponto de vista das relações
com os EUA, o pensamento de Medeiros Ferreira me ajudou a descobrir algum desse
pensamento.
A sua capacidade de pensar criticamente o projeto
europeu foi uma constante do pensamento de Medeiros Ferreira, compreendendo bem
cedo a inevitabilidade de pensarmos criticamente esse projeto para pensarmos
com maior clareza no nosso destino:
“Sem se perceber o que se passa na União Europeia andamos
à deriva. E para perceber o que se passa na EU é preciso arredar a forte e
densa dogmática erguida à sua volta. E partir de um ponto de vista empírico e
inovador. Os recentes acontecimentos e a crise da zona euro facilitam essa
mudança entre os espíritos.”
Aprecio sobretudo o seu ceticismo construtivo
quanto à evolução futura da construção europeia, no qual me revejo em grande
medida e que contrasta bem com as posições que Rangel tem trazido ao debate pré-europeias:
“Contrariamente aos conceptualistas da Europa, o que eu
mais aprecio na EU é o seu aldo tratadístico, a sua natureza contratual entre
Estados e cidadãos. Não tenho nenhuma ilusão sobre uma virtual “identidade
europeia”, mesmo a do percurso dos cafés de George Steiner. Sei quando estou
num ambiente europeu mas a União Europeia não precisa, nem tem, identidade e
muito menos constitui um só povo. Nunca foi um povo nem separada nem organizada
por Impérios ou por Estados. Daí a necessidade positiva de contratos políticos
e jurídicos entre as suas partes constitutivas, cidadãos, povos e Estados. Ela é
a sucessora democrática da organização internacional do continente por Impérios,
Reinos, Principados, Repúblicas, cidades-livres, etc. Não é muito mais do que
isso e já é muito, como o próximo futuro o dirá.”
Vai-nos fazer falta a lucidez calma e pousada deste
pensamento, nem por isso menos acutilante e conseguindo o que é obra nos tempos
de hoje ter uma presença televisiva onde não renunciava a essa calma lucidez. Presença
que se estendia também à sua passagem pelo comentário desportivo nos Grandes
Adeptos da Antena 1 nos seus tempos iniciais, onde o meu Benfica nunca teve a
representá-lo analista tão eloquente.
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