sábado, 8 de março de 2014

EM AÇÃO NO NOVO RUMO



Coube-me um grupo de trabalho muito estimulante na iniciativa Novo Rumo organizada pelo amigo António Nóvoa, focado no tema Escola, Território, Sociedade. Seguramente mais de 50 pessoas, que responderam bem ao meu apelo de combinar o respeito pelo espírito de liberdade de pensamento e de crítica que associamos ao António Nóvoa com a necessidade de produzir reflexão útil a uma alternativa de governação. Alternativa essa que tem de contribuir para inverter a perigosa destruição de algo que demorou décadas a conseguir, ou seja, que famílias, empresas e sociedade valorizassem a educação e as qualificações como algo de essencial a uma mobilidade social ascendente, a um outro modelo produtivo e a uma sociedade mais inclusiva e igualitária.
Uma dinâmica de discussão que, para além das quatro intervenções iniciais, contou com cerca de 16 contributos, o que evidencia bem o espírito participativo que atravessou a sessão e que representou um bom exemplo de liberdade, sentido da intervenção necessária e espírito crítico com algumas alfinetadas aos últimos anos da última governação socialista. E sobretudo uma tensão positiva de vontade de participar e de ser ouvido na Escola, no território, nos Conselhos Municipais de Educação, a qual, e referi-o perante António José Seguro, apela a um outro modelo de exercício da governação, prolongando este tipo de participação para além destes exercícios preliminares e pré-eleitorais. Um desafio para estruturas partidárias, para deputados, governantes, organizações territoriais.
Entre os contributos de maior consenso, destaco o da defesa da escola a tempo inteiro, enquanto instrumento decisivo para uma escola mais inclusiva, geradora de melhores condições de vida familiar e de trabalho, sujeita à discussão em torno do número de horas que os alunos portugueses passam na Escola. Número que alguns intervenientes consideraram excessivo face a comparações internacionais, que outros entenderam como compreensível face à inexistência de condições familiares e de mercado de trabalho que justificam alguma cautela na interpretação das comparações internacionais. Escola a tempo inteiro que exige em absoluto a retoma do espírito original das atividades extracurriculares, entendidas não como simples intermezzo lúdico e complementar, mas como matéria pedagógica e de cidadania crucial.
Defesa também intransigente da descentralização como vetor central de um projeto educativo de alternativa, sem medo do que ela significa. Necessidade imperiosa de reconsideração do papel dos Conselhos Municipais de Educação, com revisão de composição, papel e atribuições, da abordagem segundo Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (que importa não reduzir a guetos para os sem retorno) e até da figura dos Contratos de Autonomia, figura que muito sinceramente estava fora das minhas cogitações sobre a matéria. Defesa da descentralização, mas muita cautela por parte de alguns intervenientes sobre o que ela pode significar de possíveis conflitos, pontuais ou mais generalizados, entre a autonomia da Escola e do município e sobretudo com a necessidade de uma grande articulação com questões de ordenamento do território e com a perceção de que somos um território pequeno mas muito diverso. Defesa da descentralização no que isso implica de programas combinando uma sólida formação de base extensiva a todos os territórios e uma margem de flexibilidade para conteúdos capazes de interagir com o meio, nunca perdendo de vista que formamos jovens que desejavelmente deverão ter uma maior mobilidade no território, sem que isso signifique cedências às diásporas forçadas pela ausência de oportunidades no território nacional. Defesa ainda da descentralização numa perspetiva crítica da experiência das Direções Regionais de Educação da governação socialista, sobre a qual o partido não tem qualquer avaliação interna, porque talvez seja incómoda.
Por fim, dois outros temas a que o grupo dedicou algum consenso. Primeiro, a necessidade de uma estabilidade mínima no sistema educativo, sem a qual não é possível desenvolver e avaliar políticas públicas consequentes. Segundo, a necessidade imperiosa de devolver ao sistema a confiança que a atual maioria destruiu, sem a qual as Escolas evoluirão para o conflito, a desmotivação, a desagregação, quando públicos mais complexos a procuram e quando o imperativo da escolaridade obrigatória dos 12 anos está aí para as pressionarem. Várias intervenções sentidas e até emotivas ilustraram esta convicção.
Nada mal para uma hora e três quartos de discussão.
E até tivemos em sessão plenária Maria Barroso a recitar Mário Dionísio.
António Nóvoa interveio depois das sínteses dos oito grupos de reflexão e bem à sua maneira mostrou que a crise e a consolidação das contas públicas são simples alibis desajeitados e não democraticamente escrutinados para impor encapotadamente um programa de reorientação ideológica do sistema educativo que comparou ao programa americano de Bush responsável pela devastadora destruição da escola pública americana. Inclusão, autonomia, avaliação e participação numa Escola para todos e não para alguns são palavras-chave para descrever a simultaneamente sóbria e arrebatada nas ideias de António Nóvoa que vai conquistando na comunidade educativa um apreciável capital de confiança.
Perante um auditório repleto da Padre António Vieira bem estimulado pela intervenção de António Nóvoa, António José Seguro esteve bem, compreendendo a meu ver o potencial de intervenção que tem nesta matéria. Globalmente, o auditório parece ter valorizado a tarde soalheira de sábado ocupada na reflexão, ninguém se sentiu instrumentalizado e coarctado na sua liberdade de pensamento e eu próprio saí pessoalmente retribuído pelo efeito-surpresa da minha própria intervenção. E afinal de tudo um sábado em Lisboa, mesmo com trabalho de sala e auditório é sempre uma feliz oportunidade para viver mais de perto o crescimento do neto Francisco e isso vale mais do que todo o resto.

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