Coube-me um grupo de trabalho muito estimulante
na iniciativa Novo Rumo organizada pelo amigo António Nóvoa, focado no tema
Escola, Território, Sociedade. Seguramente mais de 50 pessoas, que responderam
bem ao meu apelo de combinar o respeito pelo espírito de liberdade de
pensamento e de crítica que associamos ao António Nóvoa com a necessidade de
produzir reflexão útil a uma alternativa de governação. Alternativa essa que
tem de contribuir para inverter a perigosa destruição de algo que demorou
décadas a conseguir, ou seja, que famílias, empresas e sociedade valorizassem a
educação e as qualificações como algo de essencial a uma mobilidade social
ascendente, a um outro modelo produtivo e a uma sociedade mais inclusiva e
igualitária.
Uma dinâmica de discussão que, para além das
quatro intervenções iniciais, contou com cerca de 16 contributos, o que
evidencia bem o espírito participativo que atravessou a sessão e que
representou um bom exemplo de liberdade, sentido da intervenção necessária e
espírito crítico com algumas alfinetadas aos últimos anos da última governação
socialista. E sobretudo uma tensão positiva de vontade de participar e de ser
ouvido na Escola, no território, nos Conselhos Municipais de Educação, a qual,
e referi-o perante António José Seguro, apela a um outro modelo de exercício da
governação, prolongando este tipo de participação para além destes exercícios
preliminares e pré-eleitorais. Um desafio para estruturas partidárias, para
deputados, governantes, organizações territoriais.
Entre os contributos de maior consenso, destaco o
da defesa da escola a tempo inteiro, enquanto instrumento decisivo para uma
escola mais inclusiva, geradora de melhores condições de vida familiar e de
trabalho, sujeita à discussão em torno do número de horas que os alunos
portugueses passam na Escola. Número que alguns intervenientes consideraram
excessivo face a comparações internacionais, que outros entenderam como
compreensível face à inexistência de condições familiares e de mercado de trabalho
que justificam alguma cautela na interpretação das comparações internacionais.
Escola a tempo inteiro que exige em absoluto a retoma do espírito original das
atividades extracurriculares, entendidas não como simples intermezzo lúdico e complementar, mas como matéria pedagógica e de
cidadania crucial.
Defesa também intransigente da descentralização
como vetor central de um projeto educativo de alternativa, sem medo do que ela
significa. Necessidade imperiosa de reconsideração do papel dos Conselhos
Municipais de Educação, com revisão de composição, papel e atribuições, da
abordagem segundo Territórios Educativos de Intervenção Prioritária (que
importa não reduzir a guetos para os sem retorno) e até da figura dos Contratos
de Autonomia, figura que muito sinceramente estava fora das minhas cogitações
sobre a matéria. Defesa da descentralização, mas muita cautela por parte de
alguns intervenientes sobre o que ela pode significar de possíveis conflitos,
pontuais ou mais generalizados, entre a autonomia da Escola e do município e
sobretudo com a necessidade de uma grande articulação com questões de
ordenamento do território e com a perceção de que somos um território pequeno
mas muito diverso. Defesa da descentralização no que isso implica de programas
combinando uma sólida formação de base extensiva a todos os territórios e uma
margem de flexibilidade para conteúdos capazes de interagir com o meio, nunca
perdendo de vista que formamos jovens que desejavelmente deverão ter uma maior
mobilidade no território, sem que isso signifique cedências às diásporas
forçadas pela ausência de oportunidades no território nacional. Defesa ainda da
descentralização numa perspetiva crítica da experiência das Direções Regionais
de Educação da governação socialista, sobre a qual o partido não tem qualquer
avaliação interna, porque talvez seja incómoda.
Por fim, dois outros temas a que o grupo dedicou
algum consenso. Primeiro, a necessidade de uma estabilidade mínima no sistema
educativo, sem a qual não é possível desenvolver e avaliar políticas públicas
consequentes. Segundo, a necessidade imperiosa de devolver ao sistema a
confiança que a atual maioria destruiu, sem a qual as Escolas evoluirão para o
conflito, a desmotivação, a desagregação, quando públicos mais complexos a
procuram e quando o imperativo da escolaridade obrigatória dos 12 anos está aí
para as pressionarem. Várias intervenções sentidas e até emotivas ilustraram
esta convicção.
Nada mal para uma hora e três quartos de
discussão.
E até tivemos em sessão plenária Maria Barroso a
recitar Mário Dionísio.
António Nóvoa interveio depois das sínteses dos
oito grupos de reflexão e bem à sua maneira mostrou que a crise e a
consolidação das contas públicas são simples alibis desajeitados e não
democraticamente escrutinados para impor encapotadamente um programa de
reorientação ideológica do sistema educativo que comparou ao programa americano
de Bush responsável pela devastadora destruição da escola pública americana.
Inclusão, autonomia, avaliação e participação numa Escola para todos e não para
alguns são palavras-chave para descrever a simultaneamente sóbria e arrebatada
nas ideias de António Nóvoa que vai conquistando na comunidade educativa um
apreciável capital de confiança.
Perante um auditório repleto da Padre António
Vieira bem estimulado pela intervenção de António Nóvoa, António José Seguro
esteve bem, compreendendo a meu ver o potencial de intervenção que tem nesta
matéria. Globalmente, o auditório parece ter valorizado a tarde soalheira de
sábado ocupada na reflexão, ninguém se sentiu instrumentalizado e coarctado na
sua liberdade de pensamento e eu próprio saí pessoalmente retribuído pelo
efeito-surpresa da minha própria intervenção. E afinal de tudo um sábado em
Lisboa, mesmo com trabalho de sala e auditório é sempre uma feliz oportunidade
para viver mais de perto o crescimento do neto Francisco e isso vale mais do
que todo o resto.
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