quinta-feira, 20 de março de 2014

É ISTO QUE QUEREMOS?


Esta manhã a TSF substituiu o seu habitual “Fórum” pela transmissão em direto de um debate, que se anunciava potencialmente escaldante, entre quatro recentes ex-ministros das Finanças (no âmbito de uma louvável iniciativa – o “Fórum das Políticas Públicas 2014” – novamente realizada pelo ISCTE, desta vez sob a coordenação de Maria de Lurdes Rodrigues e Pedro Adão e Silva). Decidi-me pela audição possível, já que esta ia sendo entrecortada por irritantes interrupções de uma locutora que teimava em nos repetir a sua leitura do que ia sendo dito.

Está ou estará na Net e na comunicação social o relato do que por lá disseram de mais relevante Manuela Ferreira Leite (MFL), António Bagão Félix (ABF), Fernando Teixeira dos Santos (FTS) e Vítor Gaspar (VG) – da defesa generalizada de um programa cautelar à ideia de uma limitação constitucional ao aumento de impostos, p.e. –, razão pela qual me dispenso de discorrer sobre a matéria.

Opto, ao invés, por aqui deixar simplesmente o testemunho da impressão mais forte que me ficou, e essa foi a de quatro economistas expondo a sua visão sobre o tema que lhes era proposto – a política orçamental – mas estranhamente divididos em dois grandes e improváveis tipos: de um lado, à direita do moderador António José Teixeira (AJT), MFL e ABF valorizando as instâncias social e política e sublinhando a dimensão precária do conhecimento proveniente da ciência económica stricto sensu, assim como que uns defensores da Economia enquanto Ciência Social ou uns ex-políticos incondicionalmente alinhados com a matriz ideológica social-democrata ou social-cristã que há muito abraçaram; do outro lado, à esquerda do moderador, FTS e VG evidenciando um modo de estar na profissão assente numa dominância do “económico” e mal disfarçando os seus distintos desvios tecnocráticos, ainda que também resultando, implícita ou explicitamente, vários e importantes matizes diferenciadores quanto às coisas da “política à portuguesa”.

Apesar das reservas que me merece a vários títulos, a intervenção de VG – que estava escrita e que espero venha a ser devidamente divulgada – correspondeu a um exercício extremamente hábil, e até inteligente. Fico-me, por ora, pela síntese de AJT quando dirigiu a MFL a pergunta inicial da fase de alargamento do debate: “Estamos aqui perante esta dicotomia [que terá prevalecido na nossa crise financeira do século XIX] entre Oliveira Martins, muito preocupado com as regras e com os entendimentos que levavam à viabilidade do País, ou o primeiro-ministro Dias Ferreira que, enfim, não estava muito preocupado com o pagamento das nossas dívidas. É essa a questão que se coloca hoje a Portugal?”

Porque a resposta de MFL – apenas circunstancialmente de costas para VG e FTS na foto que abre este post? – foi para mim, e claramente, o momento da manhã a ponto de justificar alguns sublinhados:

· “Há aqui uma questão, que eu penso que quis colocar na pergunta que fiz e à qual não há aqui nenhuma resposta. É que: cumprimos tudo, as regras são estas, é verdadeiramente essencial fazê-lo, mas há uma resposta que não foi dada: o que é que acontece às pessoas nessas circunstâncias? Onde é que está o desemprego, onde é que está a classe média, onde é que está o Estado social, onde é que estão os jovens? E é a isto que não se responde caso se verifiquem exatamente todos estes processos que com certeza têm de ser cumpridos num contexto europeu. Portanto, eu não nego a necessidade disso, mas é necessário que se alie a esta afirmação qual a consequência disso. Cumprimos tudo, tudo está correto, é assim que nós nos libertamos da dívida, mas olhamos para o nosso País e temos um País de pobres, sem jovens, sem futuro. É isto que queremos? E, portanto, se não é isto que queremos, alguma coisa está mal e alguma coisa terá de ser resolvida a nível europeu. Quer dizer que as regras europeias não estão condizentes com aquilo que foi o espírito da Europa.

· “Pelos vistos o entendimento está muito mais baseado na existência de regras que não são suscetíveis de ser cumpridas do que no modo de chegar a esse entendimento. E, portanto, eu mantenho a minha questão, e mantenho que deve estar no centro das nossas preocupações não apenas uma parte da questão. Nós estamos simplesmente a pôr uma parte da questão. É a mesma coisa que eu lhe dizer que está doente e lhe vou fazer uma operação, vou-lhe tirar isto e mais aquilo e mais aqueloutro se quer sobreviver; com certeza que a sua pergunta vai ser: ‘mas qual é que é a minha qualidade de vida no meio dessa operação que me fez?’ É normal fazer-me essa pergunta.

· “Porque sem isto não há mobilização possível. Eu não consigo mobilizar uma sociedade para vinte anos de sacrifícios sem lhes dizer em nome de que é esse sacrifício. Não sei como é que isso se faz. Não sei como é que, em democracia, isso se faz.

· “Porque poderemos chegar à conclusão que a violação de determinado tipo de regras, a existência de determinado tipo de perigos, mesmo em termos económicos, é mais apelativo do que eu chegar a um local em que só existem pobres, só existem desempregados, não existem jovens, só existem velhos mendigos.

Ele há coisas do Diabo!

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