domingo, 16 de março de 2014

O MELHOR DO FIM-DE-SEMANA


Pedro Santos Guerreiro, sábado, Expresso, “Crimes sem criminosos”
“ (…) Quando a regulação da CMVM é ultrapassada, quando a supervisão do Banco de Portugal fracassa, quando os tribunais não absolvem nem condenam, é a sociedade que fica desamparada. E que se destempera e passa a querer já não justiça mas vingança. Contra quem for, alvo certo ou errado. Mas assim estamos. Assim somos. País de banqueiros e já sem bancos. País de aforradores sem aforro. País de crimes sem criminosos”.
Ricardo Costa, sábado, Expresso, “20 anos escravos (e mais 4 pontos)”
“(…) A iniquidade corrói uma sociedade. A iniquidade absoluta corrói a sociedade, a esperança e o respeito. A nossa justiça não julga, conta os dias que passam. Os nossos reguladores não regulam, chutam para canto. Os nossos advogados não defendem, recorrem. Os procuradores não acusam, pedem tempo. (…)
Mas até na pequenez somos incompetentes. Não condenamos nem absolvemos. Prescrevemos. (…)”
O nosso jornalismo económico tão preocupado com a repercussão internacional do debate da reestruturação da dívida e o crescimento económico não dedica a este tema a mesma relevância que PSG e RC lhe dedicam nas suas crónicas.Sabemos porquê.
Juan Goytisolo, domingo, El País, “De la ficción a la Red”
“ (…) Desde a invenção da Internet e a subsequente criação de um viveiro de milhões de adeptos das redes sociais, a imaginação do novelista contagiou a realidade. Uma infinidade de jovens do mundo inteiro fotografa imagens da sua vida diária e colocam-nas na Rede. Aqui também reina o igualitarismo, a ausência de hierarquias. Os atos mais insignificantes da vida quotidiana têm importância similar aos que podem ser entendidos como mais espetaculares ou dramáticos. O possuidor de um simples smartphone, ao traçar o seu perfil numa conta da Rede para uma miríade de destinatários eventuais, não quer que nenhum elemento do seu entorno seja esquecido. Cada dia, por rotineiro que pareça, surge diferente. A sua conta no Facebook é omnívora. A Enciclopédia dos adeptos da Rede reúne uma quantidade incontável de egos virtuais que sonham em multiplicar-se e transformar o passageiro em algo que perdure: a bandeja do pequeno almoço com as componentes de uma dieta baixa em calorias, o armário do quarto de dormir onde ela ou ele escolherão o vestuário daquele dia, a gaiola do canário com a sua ração de alpista, o poster de Lady Gaga ou de uma associação solidária com os meninos órfãos de África, o autorretrato diante do espelho dela ou dele prontos para sair para a rua, a saudação à vizinha que sai para passear o cão, o escaparate do cabeleireiro no qual ela retoca o cabelo, o quiosque onde compra a Hola, o menu dos restaurante onde almoça e muito mais. (…)”
O pretexto para a crónica de Goytisolo é a obra Enciclopédia de los Muertos do escritor jugoslavo Danilo Kiš na qual é imaginado um museu em que se acumulam milhares de volumes que reproduzem os elementos e histórias pessoais de todos os mortos inscritos num dado registo provincial, sem qualquer hierarquia de pessoas (apenas descritos por ordem alfabética) e de acontecimentos pessoais. Constituirá de facto a Rede o repositório em vida do mais aprofundo igualitarismo?
Antón Costas, domingo, suplemento económico do El País, “Algo va mal com la Unión Europea”
“ (…) Como a austeridade não funciona e perdeu todo o seu crédito intelectual, os responsáveis da política económica europeia substituíram-na por um novo mantra: a desvalorização interna. Ou seja, por reduções salariais sistemáticas. Também é uma má ideia. Tão pouco funcionará. Pelo contrário, complicará a vida europeia em todas as suas dimensões.
A moderação dos salários e a sua vinculação à produtividade é uma coisa boa. Além do mais, a sua contenção temporal tem sentido num momento que se pretenda fortalecer a competitividade externa. Mas tem de ser combinada com outras políticas que repartam o ónus do esforço de sáida da crise de forma equitativa. Mas o discurso sobre a desvalorização salarial vai mais além e está a converter-se num novo mantra europeu.
Não é demais assinalar que os salários não foram o determinante da crise. Pelo contrário, os salários reais e a sua participação no rendimento nacional têm vindo a diminuir desde os anos noventa. De facto, a expansão do crédito às famílias que não tinham condições para o reembolsar tem sido interpretado por alguns economistas como uma intenção de gerar poder de compra não veiculado pelos salários. O resultado temo-lo visto e dele estamos a padecer. A solução de henry Ford I é bem melhor, quando dizia que preferia trabalhadores bem pagos de modo a poderem comprar os seus automóveis. Era um capitalista coerente com os seus interesses.
Da mesma forma que a austeridade provocou uma segunda recessão, a sistemática desvalorização salarial pode conduzir a economia europeia a uma deflação prolongada, que tornará mais difícil o seu desendividamento. Austeridade e desvalorização salarial e um endividamento elevado são um bidão de gasolina pura para a deflação e o desemprego. (…)”
Antón Costas é um economista catalão que muito prezo, sobretudo porque tem mantido uma firme e coerente posição de pensamento a partir da periferia, recusando-se a enfileirar no colaboracionismo das ideias, que tudo bebe e reproduz para agradar a seus amos.

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