“ (…) Quando a regulação da CMVM é ultrapassada, quando a
supervisão do Banco de Portugal fracassa, quando os tribunais não absolvem nem
condenam, é a sociedade que fica desamparada. E que se destempera e passa a
querer já não justiça mas vingança. Contra quem for, alvo certo ou errado. Mas
assim estamos. Assim somos. País de banqueiros e já sem bancos. País de
aforradores sem aforro. País de crimes sem criminosos”.
Ricardo Costa, sábado, Expresso, “20 anos
escravos (e mais 4 pontos)”
“(…) A iniquidade corrói uma sociedade. A iniquidade absoluta
corrói a sociedade, a esperança e o respeito. A nossa justiça não julga, conta
os dias que passam. Os nossos reguladores não regulam, chutam para canto. Os
nossos advogados não defendem, recorrem. Os procuradores não acusam, pedem
tempo. (…)
Mas até na pequenez somos incompetentes. Não condenamos
nem absolvemos. Prescrevemos. (…)”
O nosso jornalismo económico tão preocupado com a
repercussão internacional do debate da reestruturação da dívida e o crescimento
económico não dedica a este tema a mesma relevância que PSG e RC lhe dedicam
nas suas crónicas.Sabemos porquê.
Juan Goytisolo, domingo, El País, “De la ficción
a la Red”
“ (…) Desde a invenção da Internet e a subsequente
criação de um viveiro de milhões de adeptos das redes sociais, a imaginação do
novelista contagiou a realidade. Uma infinidade de jovens do mundo inteiro
fotografa imagens da sua vida diária e colocam-nas na Rede. Aqui também reina o
igualitarismo, a ausência de hierarquias. Os atos mais insignificantes da vida
quotidiana têm importância similar aos que podem ser entendidos como mais
espetaculares ou dramáticos. O possuidor de um simples smartphone, ao traçar o
seu perfil numa conta da Rede para uma miríade de destinatários eventuais, não
quer que nenhum elemento do seu entorno seja esquecido. Cada dia, por rotineiro
que pareça, surge diferente. A sua conta no Facebook é omnívora. A Enciclopédia
dos adeptos da Rede reúne uma quantidade incontável de egos virtuais que sonham
em multiplicar-se e transformar o passageiro em algo que perdure: a bandeja do
pequeno almoço com as componentes de uma dieta baixa em calorias, o armário do
quarto de dormir onde ela ou ele escolherão o vestuário daquele dia, a gaiola
do canário com a sua ração de alpista, o poster de Lady Gaga ou de uma
associação solidária com os meninos órfãos de África, o autorretrato diante do
espelho dela ou dele prontos para sair para a rua, a saudação à vizinha que sai
para passear o cão, o escaparate do cabeleireiro no qual ela retoca o cabelo, o
quiosque onde compra a Hola, o menu dos restaurante onde almoça e muito mais.
(…)”
O pretexto para a crónica de Goytisolo é a obra
Enciclopédia de los Muertos do escritor jugoslavo Danilo Kiš na qual é imaginado um
museu em que se acumulam milhares de volumes que reproduzem os elementos e
histórias pessoais de todos os mortos inscritos num dado registo provincial,
sem qualquer hierarquia de pessoas (apenas descritos por ordem alfabética) e de
acontecimentos pessoais. Constituirá de facto a Rede o repositório em vida do
mais aprofundo igualitarismo?
Antón Costas, domingo, suplemento económico do El
País, “Algo va mal com la Unión Europea”
“ (…) Como a austeridade não funciona e perdeu todo o seu
crédito intelectual, os responsáveis da política económica europeia
substituíram-na por um novo mantra: a desvalorização interna. Ou seja, por
reduções salariais sistemáticas. Também é uma má ideia. Tão pouco funcionará.
Pelo contrário, complicará a vida europeia em todas as suas dimensões.
A moderação dos salários e a sua vinculação à
produtividade é uma coisa boa. Além do mais, a sua contenção temporal tem
sentido num momento que se pretenda fortalecer a competitividade externa. Mas
tem de ser combinada com outras políticas que repartam o ónus do esforço de
sáida da crise de forma equitativa. Mas o discurso sobre a desvalorização
salarial vai mais além e está a converter-se num novo mantra europeu.
Não é demais assinalar que os salários não foram o determinante
da crise. Pelo contrário, os salários reais e a sua participação no rendimento
nacional têm vindo a diminuir desde os anos noventa. De facto, a expansão do
crédito às famílias que não tinham condições para o reembolsar tem sido
interpretado por alguns economistas como uma intenção de gerar poder de compra
não veiculado pelos salários. O resultado temo-lo visto e dele estamos a
padecer. A solução de henry Ford I é bem melhor, quando dizia que preferia
trabalhadores bem pagos de modo a poderem comprar os seus automóveis. Era um
capitalista coerente com os seus interesses.
Da mesma forma que a austeridade provocou uma segunda
recessão, a sistemática desvalorização salarial pode conduzir a economia
europeia a uma deflação prolongada, que tornará mais difícil o seu
desendividamento. Austeridade e desvalorização salarial e um endividamento
elevado são um bidão de gasolina pura para a deflação e o desemprego. (…)”
Antón Costas é um economista catalão que muito
prezo, sobretudo porque tem mantido uma firme e coerente posição de pensamento
a partir da periferia, recusando-se a enfileirar no colaboracionismo das
ideias, que tudo bebe e reproduz para agradar a seus amos.
Sem comentários:
Enviar um comentário