Alguma esquerda saudosista e afetivamente
comprometida com as tentações revolucionárias da rua e da democracia direta
sempre olhou o “chavismo”
e a revolução “bolivariana”
com condescendência. Recordo-me que alguns intelectuais materialistas como Marta Harnecker viram no chavismo o ressuscitar de velhas esperanças, partindo
sobretudo das realizações concretas em matéria de redução da pobreza e da
colocação ao serviço das maiorias pobres e rurais dos benefícios da exportação
de petróleo, outrora prisioneira dos interesses de uma oligarquia claramente
minoritária.
Mas a história ensina muita coisa e basta estar a
ela atento para compreender a inevitabilidade dos desvios que rapidamente
comprometem a viabilidade da rotura a mais largo prazo.
Em primeiro lugar, cumprido que esteja o primeiro
impulso redistributivo e com forte impacto na redução da pobreza, as populações
identificadas com os serviços e atividades urbanas conexas com o filão dos
recursos naturais começam a evidenciar aspirações de consumo e de mobilidade
social ascendente que progressivamente se tornam incompatíveis com a aliança
basista que suportou o golpe revolucionário. Essas aspirações confundem-se com
a reivindicação de instalação da democracia e são facilmente instrumentalizadas
pela “burguesia compradora” que nunca
esqueceu o bem bom do modelo oligárquico inicial.
Em segundo lugar, a sucessão de líderes
combatentes como Chávez é também normalmente letal, por mais aproveitamento mítico-religioso
que as personalidades agora no poder se esforcem por orquestrar. Há sempre um
Maduro à espreita e esse é sempre de pior qualidade do que o líder
desaparecido, por mais que se apresente como herdeiro de uma legalidade
revolucionária.
A história parece repetir-se, pois a primeira fase
é sempre a mais fácil. As desigualdades de partida são tão evidentes e as
patifarias da oligarquia tão despudoradas que é sempre fácil nos primeiros
tempos alargar a aliança revolucionária. Mas estes processos não se ganham
nesta primeira fase, perdem-se habitualmente nos estádios posteriores do
redistributivismo político, económico e social. E aqui a transição para a
democracia é penosa, conduzindo na maior parte das vezes à interrupção violenta
do próprio processo democrático.
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