quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

AS ERVAS DANINHAS ARRANCAM-SE NO TEMPO CERTO ...

 

(Parte dos 147 Republicanos que votaram o não reconhecimento da vitória de Biden)

(Algo de surreal aconteceu ontem no Capitólio quando o Congresso se preparava para confirmar a vitória eleitoral de Joe Biden e a sua eleição como novo Presidente americano. Um ato de pura insurreição e desculpem a suspeição, talvez malévola, não posso deixar de confrontar a relativa brandura com que os selvagens apoiantes de Trump foram barrados e entraram na velha instituição americana, apesar das mortes verificadas, com a violência policial dos confrontos raciais.)

            Tinha a suspeição de que algo de violento poderia acontecer, mas imaginei sempre que tal sucederia na rua. Nunca me atrevi a antecipar que a violência poderia irromper literalmente pela Casa da Democracia americana dentro. Não sei se a polícia que é responsável pela segurança do Capitólio é ou não uma polícia especializada. Mas foi tudo demasiado fácil e o mundo fica perplexo como a insurreição objetivamente liderada por Trump e seus apaniguados. A votação final reflete o que é a divisão do Partido Republicano em curso e não sei se esse não é o objetivo central de Trump. Afinal, os valores e as raízes a que o Partido Republicano nos habituou são um espartilho para a ambição plutocrática de Trump. Cada minuto a mais que Trump permaneça na Casa Branca irá ser uma fonte de terrorismo político, com o braço “armado” de 147 membros do Partido Republicano que apoiaram a decisão de Trump de não aceitar a nomeação de Biden a representar o espectro de uma secessão interna que muito provavelmente um dia próximo acontecerá.

Pode perguntar-se se tudo isto é surpreendente. A invasão do Capitólio admito que o seja. Mas a trajetória de Trump anunciava este tipo de rastilho, estava escrito no comportamento, na arrogância, no despudor da plutocracia organizada e na perigosidade do incentivo à dimensão mais sinistra dos deserdados da vida, dos que não têm nada a perder porque já perderam tudo e culpam o establishment por todos os males que provocaram a derrocada das suas vidas. Uma mistura de combustão rápida envolvendo armas à solta e sem controlo, veteranos de todas as guerras traumatizados e carentes de um chefe que os faça regressar à linguagem da violência, a única que compreendem e que aprenderam, grupos organizados e especializados em gerir o caos e sobretudo gente bloqueada pelas expectativas de vitória assegurada, prometida contra todas as evidências até ao cair irremediável do pano.

A metáfora que vejo mais adequada é a das ervas daninhas. Com elas não se contemporiza. O encolher de ombros e a indiferença não funcionam. Neste caso, quando crescem e atingem uma dada dimensão tornam-se incontroláveis no quadro dos instrumentos que a democracia nos proporciona.

Trump foi crescendo, alargando o círculo da sua influência comprando apoios com favores e seduzindo a horda dos descontentes, institucionalizando a diferença radical entre a sua realidade e a evidência dos outros. Foi derrotado, é verdade. Mas não foi erradicado como erva daninha que se destrói atempadamente. Vai permanecer, muito provavelmente à custa da destruição ou da secessão do velho Partido Republicano, alterando para sempre o universo político americano e criando um nicho de ameaça à democracia no seu próprio seio e validado pelo voto popular.

Já imaginava que o mandato de Joe Biden e Kamala Harris iria ser uma tarefa ciclópica. Hoje tenho a perceção de que irá ser um inferno de dificuldades, para o qual toda a unidade do Partido Democrata irá ser necessária.

Paradoxalmente ou talvez não, creio mesmo que haverá relações entre os dois factos, a invasão do Capitólio acontece quando se revela a decisiva vitória dos Democratas nas duas corridas eleitorais na Geórgia, alterando por uma vez a relação de forças entre Democratas e Republicanos.

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