sábado, 16 de janeiro de 2021

ESCOLAS E IMPACIÊNCIA

 

(E aqui está o primeiro fim de semana de um novo túnel no qual penaremos durante algum tempo até ver alguma luz tranquilizadora, entrecortado pelo meu voto antecipado amanhã, espero que não tenha surpresas. Por isso, é praticamente impossível fugir ao tema, com variantes é certo, mas sempre com a pandemia como pano de fundo.)

            Comparando temores e interrogações do primeiro confinamento e deste em que agora estamos mergulhados, e tendo por pano de fundo os gráficos de evolução da pandemia, é espantoso como a nossa capacidade de adaptação condiciona comportamentos e a expressão desses mesmos temores. Sem contextualização, o confronto entre os dois períodos deveria em princípio colocar-nos em atitude de pânico. Ora, pela visualização possível dos comportamentos das pessoas, percebe-se que esse pânico não está instalado (e ainda bem). Só uma capacidade de adaptação surpreendente o explica, em meu entender.

Sou dos que penso que as cinquenta e tal exceções de encerramento de atividades e estabelecimentos é aparentemente um número elevado, mas isso não significa que em termos de peso de geração de produto dessa atividade e de mobilidade de pessoas que essas exceções autorizam estejamos perante uma situação desastrosa. 

A questão verdadeiramente estruturante é inequivocamente a das escolas. Não tenho dúvidas de que a posição do Governo de não as encerrar para confinamento pode rapidamente evoluir de algo corajoso para a mais completa imprevidência. O que pode ter, a meu ver, consequências gravosas para o Governo e para as próprias escolas.

Não desconheço os fortes argumentos que se ergueram na sociedade portuguesa contra o encerramento, com invocação indiscriminada dos efeitos do encerramento de março e abril do ano passado. Mas o meu ponto não é esse.

O que esteve em comparação nestes dias assemelhou-se em meu entender a uma falácia, que se estivéssemos no campo estritamente científico, podia ser considerada uma fraude e das valentes. Senão vejamos. De um lado da balança, temos uma situação objetiva, números tenebrosos para a nossa escala de infeções e pré-rotura de uma grande parte das instituições do sistema nacional de saúde, a evidência de que só um confinamento rigoroso permitirá rebaixar números e não simplesmente aguentar um patamar incompatível com a capacidade do sistema. Do outro lado da balança o que temos? Temos a evidência da desigualdade no ensino não presencial e encerramento de escolas (evidência que não é independente do tempo de encerramento como o debate tem ignorado) e de que esse encerramento implicaria uma quebra económica maior, já que parte do emprego teria de ficar em casa para acompanhar os filhos. Mas ainda deste lado da balança, não temos qualquer informação fiável e estruturada apresentada seja pelo Ministério da Educação, seja pelas Autoridades de Saúde. Há quem suspeite que essa informação existe e não é publicada. Vou ignorar essa possibilidade. Caso fosse real, ela seria indesculpável e fonte de incerteza.

Mas o que sabemos é que nesta vaga existem grupos etários jovens fortemente afetados, que são precisamente os que poderiam aguentar melhor uma suspensão temporária do ensino presencial.

Porém, ressalvadas as óbvias diferenças de contexto, o JAMA (Journal of American Medical Association) publicou em julho de 2020 (link aqui) um dos mais abrangentes estudos sobre os efeitos sanitários do encerramento de escolas nos EUA. Os resultados reportam-se ao período entre 9 de março e 7 de maio de 2020 e mostram que, sem excluir a influência de outros fatores do tipo higiene sanitária e respiratória, por exemplo, que não é possível isolar, os estados americanos que encerraram mais cedo as escolas e com incidência pandémica mais baixa foram os que apresentaram redução de incidência de contágio e de mortalidade mais elevada. Não tenho a certeza mas penso que foi esta informação científica que o Dr. Filipe Froes utilizou ontem quando era entrevistado na SIC Notícias, alertando para os riscos do não encerramento.

Ou seja, tendo plena atenção aos efeitos devastadores que o afastamento do ensino presencial pode implicar, a verdade objetiva é que o encerramento temporário tem efeitos positivos claros na incidência pandémica e por inerência na mortalidade. Confinar mantendo escolas a funcionar significa ter que prolongar o período de confinamento e com isso aumentar a probabilidade de que as escolas tenham mesmo de fechar. E se, como refere o Professor Manuel Carmo Gomes, o escalão dos 10.000-11.000 infetados não for um planalto mas um teto falso induzido pela não capacidade absoluta de testagem, então esse raciocínio é ainda mais influente.

Finalmente, encerrar durante um mês as escolas do secundário (10º, 11º e 12º anos) e as universidades e politécnicos não tem obviamente o efeito devastador que associamos aos mais pequenos, para além de que esses alunos pertencem a grupos etários hoje já com incidência não negligenciável de casos de infeção. Tal como alguns dos especialistas que fizeram apresentações na última reunião do INFARMED não compreendo esta decisão. Não existe evidência para a suportar, o que compara com a objetividade dos efeitos de encerrar.

Em paralelo com esta minha perplexidade, partilhada aliás por muita gente e a posição dentro das escolas está longe de estar definida, trago-vos uma reflexão interessante de um grande economista, aquele que considero o economista da desigualdade, Branko Milanovic.

O economista sérvio radicado nos EUA conta no Brave New Europe (link aqui) uma história interessante. Em outubro de 2019, a John Hopkins University e o Economist Intelligence Unit publicaram o Global Epidemic Preparedness Report. Esse relatório indicava os EUA, o Reino Unido e os Países Baixos como os países mais preparados para enfrentar uma pandemia. A contraprova da pandemia deve ter inviabilizado o Relatório, tamanha é a desproporção entre a avaliação do problema e o confronto com a dura prova da realidade.

A categoria proposta por Branko Milanovic para explicar a falha comparativa total do Ocidental em lidar com a pandemia seduz-me bastante. Trata-se da impaciência. Não pude deixar de pensar numa outra categoria psicológica e social, a deceção, proposta pelo patrono do meu entendimento deste blogue, Albert O. Hirschman. Estas categorias do foro da psicologia social são a meu ver cruciais para entender o exercício da política nas sociedades contemporâneas. As sociedades ocidentais estão tragicamente impacientes, estimuladas por uma ação política que privilegia o “número mediático” e o efémero, em detrimento da duração (la durée sempre me seduziu na língua francesa, língua em que dei os meus primeiros passos de intelectual). Essa impaciência precipita comportamentos suicidários, desprevenidos, imprudentes, o oposto que a gestão pandémica exige em sociedades democráticas. Causa-me também perplexidade que gente mais nova, com largos anos de vida à sua frente, seja mais impaciente do que a minha geração que não pode ter essas expectativas.

É ainda no campo da impaciência que explico a dificuldade de aguentar um encerramento de um mês ou mês e meio das escolas secundárias e das Universidades. Como se não houvesse métodos e processos para recuperar os atrasos de uma interrupção. O que não é recuperável é a morbilidade de planaltos ou “tetos falsos” de 10.000-11.000 contágios por dia.

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