terça-feira, 19 de janeiro de 2021

TRISTES E DOLOROSAS MARCELADAS

Caros leitores, andará por aí alguém a enganar-nos? Ou, pelo menos, a tentar induzir o País em erro, quiçá por excesso de autoavaliação – considerar-se o mais esperto da rua dele e arredores – e/ou por um prazer algo mórbido de exercitar maldades, como a de ir enrolando tutti quanti com vichyssoises inventadas por entre conversas sem baias e silêncios raros e cirurgicamente geridos. Refiro-me, como resulta óbvio, ao professor, dirigente partidário, comentador, presidente e candidato Marcelo Rebelo de Sousa (MRS) e ao modo como hoje literalmente despachou o tema da regionalização no debate radiofónico dos candidatos presidenciais. De facto, MRS posicionou-se hoje de modo fingidamente cristalino e inocente sobre a matéria, depois de ter sido o ideólogo da revisão constitucional que Guterres engoliu (ou negociou com contrapartidas?) e que passou a impor a obrigação prévia do referendo, depois de se ter argumentado durante anos a fio contra tal reforma e, sobretudo, depois de ter por diversas vezes “ameaçado” com o “erro” (processual e factual) associado à mesma, ademais permitindo que António Costa o utilizasse como pretexto para, desgraçadamente, não avançar com qualquer proposta séria nesse sentido (ou será que o pretexto era falacioso e não traduzia, afinal, mais do que uma vontade centralista envergonhada?). Sendo que tudo poderia ter sido tão simples, shame on us all! Assim, e to whom it may concern, abaixo reproduzo a seco o que foi dito na manhã de ontem, entre as 9 e as 11 horas, num simultâneo TSF, Antena 1 e Rádio Renascença.

 

“MRS – Bom, regionalização, o tema também foi aqui levantado e eu não queria fugir a essa questão. É muito simples, como sabe: quer-se que a Constituição seja aplicada como está, há referendo – e, portanto, o que se trata é de uma iniciativa de um mapa, apresentação de um mapa, de uma lei...

Moderadora – E quando é que acha que pode haver um novo referendo sobre a regionalização?

MRS – Não, é muito simples. A iniciativa da realização de um referendo é uma iniciativa do Governo ou do Parlamento. E o Presidente...

Moderadora – A Ana Gomes está a dizer que isso é boicotar a regionalização.

MRS – Não é boicotar...

Moderadora – Acha que se deve fazer sem referendo a regionalização?

AG – Acho que a regionalização está na Constituição, deve-se avançar imediatamente numa verdadeira descentralização e desconcentração administrativa, que também está na Constituição, que prepare a regionalização, que eventualmente faça a consulta que está na Constituição. Mas hoje já podemos dar passos e não são passos como, por exemplo, aquelas eleições falsificadas nas CCDRs que, de resto, o Senhor Presidente da República se gaba e todos os autarcas deste País sabem que não avançam nada.

MRS – Dão-me licença, para concluir o raciocínio? A minha posição sobre a matéria é a seguinte: se as forças políticas com assento no Parlamento, maioritariamente, querem manter o esquema constitucional, é apresentar uma proposta de referendo e o Presidente da República subscreve a proposta de referendo e convoca o referendo, depois da fiscalização prévia da constitucionalidade; se querem rever a Constituição, tirando o referendo, isso é iniciativa parlamentar e o Presidente da República não tem nenhum poder para se opor. Isto é, da parte do Presidente da República não há nem o poder nem a intenção de exercer o poder, criando obstáculo a que avance um referendo para a regionalização ou a que avance uma revisão constitucional que altere o regime que existe suprimindo os referendos. É tão simples como isto.”

 

Por fim, e estando com a mão na massa, aproveito ainda para juntar a este post uma justificada referência às declarações de Tiago Mayan Gonçalves sobre o mesmo assunto:

“TMG – De novo, estamos sempre a discutir o acessório, em vez de discutirmos o essencial. Também neste tema. Discutimos referendos, calendários, mapas, não é nada disto que tem que ser discutido quando falamos de regionalização. O que tem de ser discutido é quais são os poderes do Estado Central de que ele vai ter que abdicar. E esta discussão nunca é tida e é por isso que a regionalização em Portugal está sempre inquinada. Quando começarmos a discutir os poderes de que o Estado Central tem que abdicar, aí sim poderemos falar de regionalização. (...) Evidentemente que já há, pragmaticamente, regionalização no País. Já existem CCDRs, já existem direções regionais de todos os ministérios, mas há é um Estado gordo, que faz também sobreposição de competências e, aqui está, em que é o Estado Central que escolhe quem lá está, a mandar nestas estruturas. É isto que tem de começar a ser discutido e, do meu ponto de vista – e eu sou um regionalista, posso afirmá-lo aqui –, a discussão sobre a regionalização tem sido sempre inquinada ao longo do tempo porque o Estado Central nunca discute o que tem que discutir: o que tem que abdicar. (...) A minha visão de regionalização é menos Estado, é um Estado mais eficiente porque todas aquelas estruturas que eu descrevi, estando fundidas e concentradas no que seria uma Região Administrativa, seriam provavelmente mais eficientes e mais pequenas.”

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