(Adaptemos a máquina eleitoral ao nosso tempo e troquemos a idiotice do dia de reflexão pré-voto pela criação de condições que desincentivem a abstração. É o que me sugere este sábado, sobretudo quando já votei no passado domingo.)
A sociedade portuguesa, apesar do seu ainda baixo nível médio de qualificações e das suas recorrentes crises de deceção coletiva, está em meu entender madura para uma abordagem mais moderna ao dever democrático do voto.
A instituição do dia de reflexão é tão bolorenta como o parecem ser alguns dos membros da Comissão Nacional de Eleições. Se querem manter um dia de separação entre o fecho das campanhas eleitorais e o dia da votação não lhe chamem nada, considerem-no um dia normal que, neste contexto pandémico em que estamos podia ter sido aproveitado para desdobrar o dia das eleições em dois e assim, embora com sacrifício e risco para os abnegados cidadãos que tornam possível a organização administrativa do voto, reduzir a abstenção ditada pelo medo compreensível da contaminação. Com as bombas sociais a bombar nem sequer o dia de reflexão pode bloquear a continuidade da campanha eleitoral que pode prolongar-se pela ação de apoiantes mais ou menos anónimos.
Trocava sem problemas a idiotice sem sentido do dia de reflexão por um conjunto de medidas bem mais relevantes para trazer de novo mais cidadãos ao dever sagrado da participação eleitoral. As Presidenciais de amanhã retiraram do voto um número demasiado elevado de cidadãos votantes, como o foram uma parte dos emigrantes que estão recenseados no estrangeiro e que não poderão votar e os que, por força do seu registo de infeção com COVID ter acontecido fora dos prazos estabelecidos, não poderão recorrer ao voto em casa.
Com o nível já existente de literacia digital, o que não significa ignorar os pontos fracos dessa realidade, o voto eletrónico já deveria ser uma realidade em Portugal e o mesmo poderá ser dito em relação ao voto por correspondência. Os Portugueses precisam de começar a encarar o seu dever de participação eleitoral como algo de corrente em linha com outras responsabilidades como cidadão. A participação eleitoral não deve ser sacralizada e a sua participação na orientação dos destinos coletivos deve intensificar-se dos assuntos mais locais aos nacionais. Para isso, as condições de organização e regulamentação dessa participação devem favorecer e não desincentivar a sua concretização. Não há razão alguma para descrer da capacidade dos Portugueses que têm revelado aliás ao longo da democracia de Abril um apurado sentido de voto compreendendo a diferente natureza de eleições locais, para o Parlamento e Presidenciais.
Não podem entretanto aceitar-se passos em falso como o poderia ter sido o dia do voto antecipado a 17 de abril de 2021, acaso tivéssemos tido um domingo invernoso e de chuva fustigante. Passo em falso que dispensava bem mais uma do Ministro Cabrita, à qual se recomenda menor intensidade de afirmações públicas dada a probabilidade de desacerto.
É verdade que as eleições Presidenciais estão sob uma nuvem negra de ameaças. O próprio Presidente Marcelo andou mal ao desvalorizar durante tanto tempo a importância das mesmas sobretudo devido ao contexto político vivido no País e também devido ao facto do PS ter, erradamente a meu ver, desistido de encontrar um candidato para a área do socialismo democrático. Não só essa decisão convidou Marcelo a um menor investimento na eleição como acabou por conduzir a uma maior fragmentação da esquerda, que pode sair-lhe caro no combate às derivas da extrema direita.
Espero sinceramente que o agravamento da pandemia e a chuva fustigante que se antecipa para amanhã não distorçam o universo que vai a votos, produzindo resultados que aticem desproporcionalmente o estatuto antissistema do Chega e a tentação que pode assistir aos ressabiados, deserdados e descontentes deste país.
Conto dormir sossegado como habitualmente na noite de domingo para segunda-feira.
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