segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

E AGORA?

 


(Escrevo quando acabam de ser apresentados os resultados finais das eleições presidenciais, que devo dizê-lo estão bastante em conformidade com a antecipação que tinha feito. As minhas preocupações sobre a situação política portuguesa são exatamente as mesmas que tinha antes do ato eleitoral. Os resultados de hoje não alteram em nada essas preocupações, tanto mais que os receios de que o eleitorado que disse presente fosse distorcido em relação à realidade da sociedade portuguesa não terão sido concretizados dado comportamento da abstenção que terá até diminuído em termos reais.)

            Já aqui neste blogue expressei o meu incómodo pelo facto do PS não ter assumido um candidato próprio e o meu não entusiasmo pela figura política de Ana Gomes para protagonizar uma alternativa para o socialismo democrático. Nestas condições e tendo em conta que o Bloco de Esquerda insistiu erradamente em sacrificar uma das suas principais forças, Marisa Matias, a uma derrota ingrata e injusta para a qualidade e energia da candidata, a minha antecipação corresponde globalmente aos resultados de hoje.

Mas a votação de Ventura é surpresa? Para mim não é, já que ela corresponde à recomposição da direita e sobretudo à incapacidade das lideranças do PSD e do CDS em compreenderem o que está a passar-se e o que lhe vai entrar pela porta dentro. O Chega capitaliza em Portugal o crescimento da extrema-direita por toda a Europa, a raiz é a mesma, com pequenas variantes de país para país, talvez mais próximo do VOX em Espanha. As Presidenciais representavam o caldo ideal para o candidato que se reclama contra o sistema poder ganhar palco e expressão mediática. Assim foi, tanto mais que Ana Gomes e Marisa Matias não acertaram no registo de combate à falta de decoro do Ventura.

O melhor indicador de que a emergência do Chega de Ventura corresponde a uma profunda recomposição da direita e por aí uma profunda ameaça à estabilidade do sistema democrático é a votação de Ventura no Alentejo e em alguns distritos em que o PSD é maioritário, como em Viseu e na Guarda. O salto do Chega no Alentejo é também uma derrota séria para o PCP, em que a derrota de João Ferreira para Ventura em Beja é talvez o exemplo mais expressivo. Mas a votação de Ventura nesses distritos reflete a radicalização do eleitorado de direita, enfraquecendo o PSD (e só Rui Rio é que não o compreende) e, creio, fazendo desaparecer do mapa o CDS. A intervenção do líder do CDS capitalizando a vitória de Marcelo é patética e revela uma modalidade superior de autismo político. O combate a essa radicalização política com a pandemia à perna e a situação grave em que o país irá permanecer durante algum tempo representarão a prioridade dos próximos três anos. Marcelo compreendeu-o bem na sua alocução de vitória. Ana Gomes ainda não o entendeu bem. O problema não está resolvido com o facto de ter conseguido derrotar Ventura. Exige bastante mais do que isso. E nos próximos tempos é da articulação de Marcelo com o Governo que se espera renovado e fortalecido quanto mais depressa possível. Por mais estranho que isso nos possa parecer.

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