sexta-feira, 15 de janeiro de 2021

DIGRESSÃO PELOS NOSSOS NÚMEROS COVÍDICOS

(Dario Castillejos, https://cartoonmovement.com)

(Jeremy Banks, “Banx”, http://www.ft.com) 

Primeiro dia de confinamento português take 2. Pessoalmente, já me resignei à incompreensibilidade disto tudo que não do facto viral em si mesmo. E, sobretudo, às paradoxais inconsequências associadas a tantos números, casos, exemplos, pareceres e “achismos”, designadamente no tocante a Portugal. Em síntese, e para além do óbvio que são as crescentes pressões que se exercem sobre um resiliente mas frágil sistema de saúde e as crescentes manifestações de uma crise económica e social que ainda está longe de ter rebentado em toda a sua plenitude, as interrogações são mais do que as respostas: estamos melhor ou pior do que outros? Cometemos mais erros? E quais? De quem são, afinal, as principais responsabilidades? Os políticos, os governantes e demais autoridades têm ajudado ou complicado? E a comunidade científica? Vejamos, com recurso ao “Expresso” e ao “Financial Times”, alguns exemplos interessantes de dados significativamente contraditórios.



Observemos os casos reportados, matéria em que Portugal já surge como o 9º da União Europeia em termos de incidência (ponderação pelo número de habitantes) desde o início da pandemia (já pior do que Espanha, França, Itália e Alemanha, por exemplo, e só melhor do que alguns países mais desenvolvidos, como Bélgica, Holanda e Suécia) e se tornou o 3º da União Europeia em termos de variação nos últimos 14 dias (situação mais grave apenas na Irlanda e em Espanha). Foi o alívio estival? Foram as liberalidades natalícias? Ou, numa perspetiva mais especulativa, serão os dados comparativamente compatibilizáveis (registos estatísticos, capacidades de testagem, inquéritos epidemiológicos, respostas conjunturais)? O “mistério” subsiste e não será só na minha cabeça.

 

Passemos às mortes registadas, afinal a questão última em termos de relevância maléfica efetiva da pandemia. Uma área em que o posicionamento português é ainda melhor do que a média no tocante a total acumulado mas é já assustadoramente mau quando se referenciam evoluções temporais (números atuais negativamente incomparáveis em relação à primeira fase; evolução exponencial em janeiro, mas com tendência iniciada em novembro; 4º pior lugar europeu nos últimos sete dias). E aqui, dizer então o quê?






Sobre a esperançosa vacinação em curso à escala global (porque só a imunidade de grupo nos poderá valer!), e abstraindo das imprevisíveis revisões de capacidade produtiva e distributiva por parte das grandes farmacêuticas e dos seus consequentes e ainda difíceis de estimar impactos, a presente situação portuguesa parece emergir como comparativamente razoável, pese embora o facto de esta ser uma matéria em que impera alguma opacidade e em que se tenderá a manifestar uma forte variabilidade conjuntural em função de razões próprias ou alheias.



Termino com um reporte ao dia de hoje, o qual regista um recorde diário de óbitos (159) e um total acumulado de mais de 528 mil de casos confirmados, de quase 126 mil casos ativos, de mais de 8500 óbitos e de 4560 internados (sendo 622 em UCI’s). Atente-se, no tocante aos óbitos, nos seguintes dois tipos de factos elucidativos: (i) mais de dois terços dos mesmos ocorrem numa faixa etária superior a 80 anos e quase 88% dos mesmos ocorrem numa faixa etária superior a 70 anos; nesta última faixa, verificam-se quase 10% de óbitos em relação a casos confirmados. Se atentarmos ainda em que o grosso (71%) dos casos registados se situam na faixa menos envelhecida da população adulta (dos 20 aos 70 anos), apesar de apenas se repercutindo em cerca de 12% dos falecidos, e em que os mais jovens (até aos 20 anos) representam 14% dos casos mas somente apresentam 3 óbitos... não nos faltariam motivos de reflexão passíveis de justificarem opções decisionais mais finas e melhor buriladas. Como aconteceu com as escolas, também por outros e louváveis motivos.


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