sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

COMO AS ENGUIAS POLÍTICAS DETURPAM A HISTÓRIA …

 


(A inconstante e flutuante ação política do PODEMOS e do seu líder político em Espanha Pablo Iglésias tem sido por mim frontalmente criticada neste blogue. São várias as frentes em que esse comportamento se manifesta e são tantas que nos faz olhar com mais condescendência entre muros para o Bloco de Esquerda. Mas acho que limites inaceitáveis foram ultrapassados quando se compara o franjinhas Puigdemont aos refugiados da República espanhola nos anos 30.)

            Vou direto ao assunto. Estou decididamente com o escritor Antonio Muñoz Molina quando ele frontalmente o diz: “Comparar esses senhorzinhos supremacistas catalães que aproveitaram o dinheiro público de todos numa mescla de golpe de estado e charlotada grotesca com os exilados da República, mais do que uma injustiça, é uma vileza”.

Sabemos como a formação política do PODEMOS emergiu em Espanha ocupando com mestria o espaço do desconforto de uma grande parte da população de esquerda com as contradições do PSOE. Fê-lo através da sua identificação com algumas causas de luta contra a ortodoxia e contra a monarquia espanhola, por outras palavras em temas que batem forte no conservadorismo resistente da sociedade espanhola e nos resquícios do franquismo que permaneceram à luz da possível adaptação democrática. Por exemplo, a identificação do PODEMOS com o movimento dos indignados foi importante para a sua afirmação e à altura, recorda-se, ainda as forças sociais que estão hoje com o VOX estavam acomodados sob as saias do PP.

A transição para uma tentativa de implantação nacional foi ensaiada através de uma multiplicação algo inorgânica de alianças, dando origem a um conjunto diversificado de alianças políticas locais. Por exemplo, na Galiza deu origem a umas tantas alianças pelas principais cidades galegas que exploraram primeiro o efeito surpresa avançando até para o poder, sofrendo depois uma desagregação que quase fizeram desaparecer do mapa político galego, abrindo caminho à recuperação do Bloco Nacionalista Galego. Pelo contrário, na Cataluna foi adotada a opção de aliança com o movimento de Ada Colau. Este pormenor é importante, pois ao contrário da Esquerra Republicana, Junts per Catalunya e forças mais radicais, que são favoráveis ao independentismo de forma declarada, o movimento de Ada Colau nunca assumiu frontalmente o independentismo e o referendo unilateral, implicando por isso que nessa matéria o PODEMOS nunca tivesse assumido a causa independentista para a Catalunha.

A partir do momento em que o PODEMOS acede ao poder em coligação com o PSOE e apoio parlamentar de alguns partidos regionais nacionalistas, a liderança de Pablo Iglesias transforma-se numa autêntica enguia política, ora apoiando o Governo e simulando poses de Estado, ora atraiçoando-o na curva mais inesperada e reassumindo a sua vocação anti-sistémica. Está por realizar a avaliação do que tem significado para o PSOE governar nestas condições de busca contínua do apoio do PODEMOS. O que sabemos é que tem produzido por parte de Pedro Sánchez um comportamento altamente errático, ora piscando o olho ao CIUDADANOS e acordos de regime com o PP, ora tentado novas alianças com os independentistas.

Mobilizando a sua experiência de professor de Ciência Política, Pablo Iglésias é hábil neste ziguezaguear constante, tem resistido é um facto, embora com o preço de uma continuada perda de influência eleitoral, não sendo possível ainda hoje perceber se essa queda atingiu já o seu máximo ou se tenderá a continuar. O facto do PODEMOS aparecer na ação governamental como ligado a uma espécie de dique contra a degradação social dos espanhóis, por exemplo contra a anunciada corte-reforma das pensões tem-lhe garantido a sobrevivência.

Mas há certas linhas delimitadoras de referência que quando são pisadas ou ultrapassadas podem causar efeitos incontroláveis.

O escritor Antonio Muñoz Molina é particularmente certeiro (link aqui) quando denuncia a facilidade com que Pablo Iglésias maneja e manipula a palavra exílio. De facto, comparar o exílio de Puigdemont com o dos derrotados da República na guerra civil de Espanha que deixaram a memória espanhola em diferentes lugares de França, do México, do Uruguai, Nova Iorque ou Porto Rico, em meu entender, uma deturpação da analogia histórica, deixando de fora o critério básico de qualquer comparação histórica, o contexto. Deturpar a história é uma daquelas linhas que nunca se deve ultrapassar.

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