sexta-feira, 29 de janeiro de 2021

DA GERMÂNIA

(a partir de https://www.welt.de)

 

Deparei-me há dias com um gráfico que me reacendeu antigas luzes de análise, fazendo remontar as minhas divagações aos tempos em que a parte do trabalho no rendimento nacional correspondia a uma variável macroeconómica indispensável a observar (recuei a 1972 em Portugal, quando alguém que viria a ser meu colega na FEP, Carlos Pimenta, deu à estampa um pequeno livro precisamente com um tal título e que assinou em coautoria sob o pseudónimo – censura oblige – de José Gomes, os seus nomes do meio). Portanto, o indicador é datado e já viu melhores dias, o que não obstou a que sobre ele me debruçasse, ainda assim, quanto ao que dele emergia quando aplicado à sua evolução na Alemanha ao longo do último meio século.


O pretexto da publicação do mesmo era o de sinalizar o alto valor atingido por aquele indicador em 2020 (73,4%, apenas ligeiramente excedido pelo máximo histórico de 1981), depois do mínimo histórico (abaixo de 64%) a que descera em 2008. Não obstante, o gráfico em causa também tem potencial viabilizador de análises mais circunstanciadas, seja relacionando o indicador com os ciclos económicos de maior expansão ou depressão conjunturalmente vividos seja relacionando-o com a cor político-ideológica dos comandos governativos sucessivamente em presença. Fiz um pequeno exercício com base nesta segunda hipótese de trabalho, dele podendo retirar-se a confirmação daquela conhecida menção publicitária que proclama que “a tradição já não é o que era” – ora, vejam só: em tempos idos, o SPD (social-democrata) chega pela primeira vez ao poder pela mão de Willy Brandt e vai lograr aumentar o peso relativo dos salários (com uma pequena exceção no final do exercício de Helmut Schmidt), seguindo-se-lhe uma CDU (democrata-cristã) com tendência para procurar diminui-lo (exceção feita ao Helmut Kohl do período da reunificação); ao invés, e em tempos mais recentes (digamos que no presente século), é o SPD de Gerhard Schröder a conduzir a maior quebra de sempre da parte salarial (ainda está por esclarecer o que andou este senhor a fazer pelo governo federal alemão sob a bandeira dos social-democratas!) e é a CDU de Angela Merkel que acaba por liderar uma notável recuperação ascendente do indicador desde o pós-crise de 2008 (mais um elemento demonstrativo da qualidade política da chanceler em fim de linha).

 

Não dá que pensar? Ou melhor, não será matéria para esmiuçarmos em torno de muitos dos clichés políticos e económicos que nos continuam a ser vendidos? Sem prejuízo, obviamente, de considerarmos quanto o mundo mudou e as ideologias declinaram, por um lado, e quanto o sistema político alemão reforça a dimensão institucional e colaborativa do país (designadamente ao fomentar coligações interpartidárias construídas em função de um interesse geral cada vez mais interclassista), por outro. Lá chegaremos... ou não, quem sabe o que nos espera ou do que seremos capazes?

(Klaus Stuttman, http://www.tagesspiegel.de)

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