sexta-feira, 22 de janeiro de 2021

A PRETEXTO DO FECHO DAS ESCOLAS

(Greser&Lenz, http://www.faz.net) 

Alguns dias atrás dei aqui provas da irritação que me suscitam as prestações da maioria dos comentaristas que, ao fazerem questão de se pronunciar do alto do seu pedestal sobre tudo e mais alguma coisa, acabam a ridicularizar-se perante o auditório (o que ainda será o menos) e muito contribuem para o descrédito generalizado de um confronto de posições assentes no conhecimento e na devida fundamentação (o que é mais grave). Nesse post invetivei, circunstancialmente e com as razões que deixei explicitadas, Pedro Marques Lopes e Daniel Oliveira; ora acontece que estes dois parceiros estão longe de estar entre os piores da espécie em causa e a que se dirige aquela minha irritação, tendo a melhor prova disso surgido no “Eixo do Mal” de ontem, onde exprimiram honesta e decentemente pontos de vista que reputo de corretos quanto à polémica questão do encerramento das escolas, questão que por cá tanto marcou estes tristes dias pandémicos. Por isso, reproduzo abaixo a essência do argumentário que um e o outro desenvolveram, quer quanto à chocante contradição existente entre o relativismo em que vivemos e as certezas absolutas do criticismo que nos envolve quer quanto ao caráter malévolo, irresponsável, inconsequente ou balofo com que foi publicamente tratado um dossiê de fecho das escolas que não apenas era tudo menos simples e facilmente consensual como também tinha de estar necessariamente funcionalizado às manifestações de evolução da doença que iam emergindo (a propósito, e dizendo de passagem, aprecio imenso a qualidade de muitos dos peritos em epidemiologia, saúde pública e similares que nos surgem diariamente nos ecrãs televisivos, saltitando entre umas e outras estações, mas confesso que começo a já não “ter saco” para tantos e tão diversos opinion makers de tipo novo, i.e., para gente tão especialmente bafejada por um “iluminismo” que nunca deveria poder confundir-se com capacidade legítima para condicionar a decisão política ou para distorcer a análise política – mais recato e mais foco seriam benvindos!).

 

Começando, então, por Pedro Marques Lopes: “Eu não tenho este nível de críticas ao Governo. Desde o início desta pandemia que eu tenho muita dificuldade em abordar este assunto em termos críticos ou não críticos porque tenho a plena consciência de que estamos a passar por algo de que não há ninguém vivo que tenha passado por isto; e se ninguém de nós passou, também o Governo não passou. E o que eu sei é que, nestas alturas, é extraordinariamente fácil apontar as falhas – eu também consigo apontá-las, foram todas muito graves e provavelmente eu nem as consigo apontar todas: houve hesitações e passos em falso, verdades de hoje tornaram-se mentiras de amanhã, houve um incontrolável desejo de autoelogio por parte do Governo quando as coisas corriam bem e um alijar de responsabilidades quando as coisas corriam mal. Estou perfeitamente à-vontade nisto. O que eu não me esqueço, e nunca me esqueço, é que a quantidade de alterações das circunstâncias que houve durante esta pandemia foi brutal; e eu não acredito, ao contrário dos meus camaradas, que as coisas fossem tão previsíveis, que as coisas fossem tão evidentes. (...) Há três semanas o Luís Pedro foi pr’aí o único, porque todos os dirigentes partidários acharam muito bem um aligeirar das condições do Natal. Houve especialistas que avisaram, mas eu também me lembro de especialistas no princípio da pandemia a dizer que, passadas três semanas iria acontecer isto e aquilo e não aconteceu. O que é que eu quero dizer com isto? Que é extraordinariamente cedo, na minha modestíssima opinião, para avaliar isto (...). É verdade que, nos últimos quinze dias a três semanas, somos provavelmente o pior país do mundo, mas se for desde o princípio da pandemia somos o 28º pior (éramos o 30º há quinze dias). Portanto, eu tenho muita dificuldade em fazer um julgamento extraordinariamente crítico por essa razão. Deixa-me só repetir: tenho consciência absoluta dos erros, mas tenho também consciência da impossibilidade das previsões. (...) E é muito difícil também criticar as pessoas que estão a criticar violentamente; é quase impossível criticá-las porquê? Porque há pessoas a morrer à porta dos hospitais, porque neste momento os médicos estão a fazer de Deus, estão a escolher pessoas para morrer e para viver (...). E há coisas que este processo das escolas – já não basta o medo com que eu estou, por mim, pela minha família, pela minha comunidade – me amedrontou ainda mais: é que o Governo já não está a governar, o fecho das escolas não foi decretado pelo Governo, foi decretado pelos meios de comunicação social, pelas redes sociais e por especialistas. Eu prefiro ter um Governo que erre, e que erre muito porque eu sei que vai errar, do que uma situação em que não há absolutamente confiança nenhuma no Governo e em que as coisas são geridas por epidemiologistas, por especialistas da saúde pública ou por comentadores como nós. Isso é que eu não quero e é o meu medo do que está a acontecer. E, para terminar, devo dizer o seguinte: é verdade que existiram muitos erros, erros de comunicação e erros de tudo e mais alguma coisa; mas há algo que também me aborrece: quem é que não sabia como é que isto se contaminava? Quem é que não sabia? São as pessoas que juntaram oito e dez pessoas na noite de Natal? Quem é que não sabia quando houve festas e mais festas? E, depois, querem fechar tudo, mas querem fechar tudo o quê? É porque são sempre os mais pobres, os mais necessitados que vão ser fechados. Porque transportes públicos e fábricas não vão fechar. E agora, de repente, acabou a necessidade económica? De repente podemos sacrificar os mais pobres? Quer dizer, o que nós temos que pensar neste momento é muito simples: cabe-nos a nós comunidade, a cada um de nós, ou funcionamos como comunidade e nos ajudamos uns aos outros ou não vai haver Governo que nos valha, nem que fosse o melhor Governo do mundo.”

E, agora, Daniel Oliveira: “Não, o Pedro não está sozinho. Caiu-nos um piano em cima – é basicamente a expressão melhor que eu encontro, mesmo para mim que não sou muito dado a estados de alma – e eu não quero contribuir para a espiral de ansiedade e de linchamento que não acrescenta absolutamente nada, do meu ponto de vista, ao que nós temos pela frente. O Governo tem enormes responsabilidades, sobretudo no que fez na fase pós-Natal, ou seja do que teria que fazer logo a seguir ao Natal no combate estritamente político – outra coisa é cada um de nós ter achado uma coisa e agora criticar, quer dizer, nós não temos responsabilidades políticas, temos as de cidadãos e de quem ocupa o espaço público –, mas eu teria cuidado em cuspir para o ar porque eu me dei ao trabalho de ir rever as declarações dos partidos à saída da audiência do Primeiro-Ministro e do Presidente da República: eram todas, todas mais até pressionando para maior abertura do que o Governo fez; e elas correspondiam a um sentimento nacional. Eu não estou a dizer que o Governo fez bem – o Governo provavelmente fez mal e eu fiz mal porque era a minha opinião, os partidos políticos fizeram mal e tudo isto não iliba quem tem que tomar a decisão que era o Governo e o Presidente da República naquele caso. Não iliba, apenas ter algum cuidado com a espiral que, basicamente, também corresponde a um processo psicológico de uma maneira de exorcizar isto que está a acontecer. Sobre o fecho das escolas, quero dizer que li agora uma notícia de hoje, exatamente declarações do Centro Europeu de Prevenção e Controlo de Doenças, que diz que a incidência de Covid-19 em ambientes escolares parece ser principalmente motivada pelos níveis de transmissão comunitária e que a transmissão generalizada de variantes altamente transmissíveis detetada no Reino Unido aumenta a possibilidade de aparecerem casos de Covid, etc. etc., concluindo a admitir que as escolas tenham de ser encerradas; portanto, não é o Primeiro-Ministro exclusivamente que faz uma relação entre a estirpe inglesa e o encerramento das escolas, não é apenas o Primeiro-Ministro. E ainda hoje ouvi que o problema não é as escolas serem um foco relevante – não é que não tenham casos – tem sobretudo a ver com a quantidade de pessoas que a abertura das escolas obriga a circularem ou os movimentos que cria. É evidente que o encerramento das escolas se tornou inevitável e eu mais uma vez também reajo um pouco à ideia de que o Governo se limitou a reagir – a última vez que ouvi esta frase de que o Governo se limitou a reagir e encerrou as escolas foi em março, e encerrou-as mal, não as devia ter encerrado em março quando tínhamos 150 casos. Hoje, o encerramento das escolas seria muito menos danoso para a comunidade e para as famílias; eu percebo, tínhamos pouca informação e foi uma medida cautelar – ok, aceito. Agora, não aceito que nós permanentemente finjamos que sabemos mais do que sabemos; e andamos todos a fingir que sabemos mais do que sabemos. Eu posso também ir buscar, e não o faço, declarações de especialistas naquela altura que disseram coisas que não aconteceram; e é normal que o dissessem, é normal que estivessem a errar, estamos a trabalhar sobre coisas de que se sabe pouco; agora sabemos mais mas não sabemos muito mais do que sabíamos, nomeadamente sobre as novas variantes. Sabe-se pouco e nós fazemos sempre este exercício de chegarmos ao fim disto e dizermos: ‘o Governo sabia tudo’ – não, não sabia. E devo dizer que mesmo o encerramento das escolas não foi consensual entre os especialistas, podia haver uma inclinação mais para um lado do que para o outro e estamos só a falar de especialistas médicos porque haveria outras coisas em apreço.”

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