segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

O QUE É QUE CORREU MAL?




Numa recente digressão bibliográfica sobre fatores de desenvolvimento no tempo longo, regressei quase por acaso ao pequeno ensaio de Keynes, redigido em 1930, “Economic possibilities for our Grandchildren”, publicado nos Essays of Persuasion, volume IX dos Collected Writings.
Nesse estimulante ensaio, Keynes analisa o futuro da economia mundial e do Reino Unido num horizonte de 100 anos, afirmando o seu otimismo estrutural.
Cito para retomar depois o argumento:
Estamos hoje sob um mau ataque de pessimismo económico. É comum ouvir as pessoas dizer que acabou a época de enorme progresso económico que caracterizou o século XIX; que a rápida melhoria no padrão de vida vai desacelerar – a qualquer taxa na Grã-Bretanha; que um declínio na prosperidade é mais provável do que uma melhoria na década que está à nossa frente.
Acredito que isso equivale a uma seriamente errada interpretação do que nos está a acontecer. Estamos a sofrer não do reumatismo de uma velha era, mas de dores de crescimento provocadas por mudanças demasiado rápidas, dos custos de reajustamento de um período económico para outro. O aumento da eficiência técnica está a acontecer mais rapidamente do que podemos em termos da absorção de trabalho; a melhoria no padrão de vida ocorreu um bocadinho depressa demais; o sistema bancário e monetário mundial impediu que a taxa de juro descesse tão depressa como o equilíbrio requeria. (…)
A depressão mundial instalada, a enorme anomalia do desemprego num mundo cheio de necessidades, os erros desastrosos que cometemos, impedem-nos de ver o que está a acontecer não à superfície, a verdadeira interpretação, a tendência das coisas. Por isso, prevejo que ambos os erros opostos do pessimismo que hoje fazem tanto barulho no mundo estarão errados no nosso tempo – o pessimismo dos revolucionários que pensam que as coisas estão tão mal que nada nos pode salvar a não ser a mudança violenta e o pessimismo dos reacionários que consideram o balanço da nossa vida económica e social tão precário que não devemos arriscar qualquer experimentação”.

Em primeiro lugar, temos de abanar bem a cabeça para recordar que o ensaio se refere à economia de 1930 e não à de hoje. Se retirássemos a referência de Keynes à taxa de juro, parece que estaríamos na encruzilhada de hoje. Mas não. Keynes pretende antecipar que não haveria razões económicas credíveis para não evoluir para uma situação de trabalhar 15 horas semanais e poder aspirar ao que Keynes designava de “valorar mais os fins do que os meios e preferir o bom ao útil” e de “retirar o prazer direto das coisas”. Para isso, dizia então Keynes, seria necessário assegurar quatro coisas essenciais: “o nosso poder de controlo da população, a nossa determinação em evitar guerras e conflitos civis, a nossa vontade de orientar a ciência na direção que deve constituir propriamente a preocupação da ciência e a taxa de acumulação fixada pela margem entre a produção e o consumo; das quais a quarta irá por si, dadas as três primeiras”.
Pode então perguntar-se, o que é que correu mal? Ou seja, porque é que o meu otimismo quanto às horas de trabalho semanal e condições de vida que antevejo racionalmente para a minha Margarida e para o meu Francisco não é tão forte como o de Keynes?
Para uma grande parte do mundo, a questão demográfica (sobre a qual Keynes falava de controlo) inverteu-se, o que reduz significativamente o produto potencial das economias. A capacidade de domesticar guerras e conflitos anda pelas ruas da amargura. E é discutível que a ciência não se tenha deixado levar por uma certa endogeneidade económica. Será que a confiança inabalável de Keynes no progresso técnico está hoje abalada? Ou estaremos a viver, no centro das coisas, uma mudança de paradigma tecnológico e que a história não nos vai enganar, proporcionando de novo o reencontro da inovação e do emprego? Será que, tal como na época em que Keynes escreve, o desemprego tecnológico é passageiro e que a força do novo contrariará a destruição do velho?
Pode ser, mas a verdade é que não me sinto seguro para confortar e projetar um futuro para a Margarida e para o Francisco no qual o “prazer direto das coisas” lhes guie o quotidiano!

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