Numa recente digressão bibliográfica sobre fatores de
desenvolvimento no tempo longo, regressei quase por acaso ao pequeno ensaio de
Keynes, redigido em 1930, “Economic
possibilities for our Grandchildren”, publicado nos Essays of Persuasion, volume IX dos Collected Writings.
Nesse estimulante ensaio, Keynes analisa o futuro da
economia mundial e do Reino Unido num horizonte de 100 anos, afirmando o seu
otimismo estrutural.
Cito para retomar depois o argumento:
“Estamos hoje sob um mau ataque de pessimismo económico. É
comum ouvir as pessoas dizer que acabou a época de enorme progresso económico
que caracterizou o século XIX; que a rápida melhoria no padrão de vida vai
desacelerar – a qualquer taxa na Grã-Bretanha; que um declínio na prosperidade é
mais provável do que uma melhoria na década que está à nossa frente.
Acredito que
isso equivale a uma seriamente errada interpretação do que nos está a
acontecer. Estamos a sofrer não do reumatismo de uma velha era, mas de dores de
crescimento provocadas por mudanças demasiado rápidas, dos custos de
reajustamento de um período económico para outro. O aumento da eficiência técnica
está a acontecer mais rapidamente do que podemos em termos da absorção de
trabalho; a melhoria no padrão de vida ocorreu um bocadinho depressa demais; o
sistema bancário e monetário mundial impediu que a taxa de juro descesse tão
depressa como o equilíbrio requeria. (…)
A depressão
mundial instalada, a enorme anomalia do desemprego num mundo cheio de
necessidades, os erros desastrosos que cometemos, impedem-nos de ver o que está
a acontecer não à superfície, a verdadeira interpretação, a tendência das
coisas. Por isso, prevejo que ambos os erros opostos do pessimismo que hoje
fazem tanto barulho no mundo estarão errados no nosso tempo – o pessimismo dos
revolucionários que pensam que as coisas estão tão mal que nada nos pode salvar
a não ser a mudança violenta e o pessimismo dos reacionários que consideram o
balanço da nossa vida económica e social tão precário que não devemos arriscar
qualquer experimentação”.
Em primeiro lugar, temos de abanar bem a cabeça
para recordar que o ensaio se refere à economia de 1930 e não à de hoje. Se
retirássemos a referência de Keynes à taxa de juro, parece que estaríamos na
encruzilhada de hoje. Mas não. Keynes pretende antecipar que não haveria razões
económicas credíveis para não evoluir para uma situação de trabalhar 15 horas
semanais e poder aspirar ao que Keynes designava de “valorar mais os fins do que os meios e
preferir o bom ao útil” e de “retirar o prazer direto das coisas”. Para
isso, dizia então Keynes, seria necessário assegurar quatro coisas essenciais: “o nosso poder de
controlo da população, a nossa determinação em evitar guerras e conflitos
civis, a nossa vontade de orientar a ciência na direção que deve constituir propriamente
a preocupação da ciência e a taxa de acumulação fixada pela margem entre a
produção e o consumo; das quais a quarta irá por si, dadas as três primeiras”.
Pode então perguntar-se, o que é que correu mal? Ou
seja, porque é que o meu otimismo quanto às horas de trabalho semanal e condições
de vida que antevejo racionalmente para a minha Margarida e para o meu
Francisco não é tão forte como o de Keynes?
Para uma grande parte do mundo, a questão demográfica
(sobre a qual Keynes falava de controlo) inverteu-se, o que reduz significativamente
o produto potencial das economias. A capacidade de domesticar guerras e
conflitos anda pelas ruas da amargura. E é discutível que a ciência não se
tenha deixado levar por uma certa endogeneidade económica. Será que a confiança
inabalável de Keynes no progresso técnico está hoje abalada? Ou estaremos a
viver, no centro das coisas, uma mudança de paradigma tecnológico e que a história
não nos vai enganar, proporcionando de novo o reencontro da inovação e do
emprego? Será que, tal como na época em que Keynes escreve, o desemprego tecnológico
é passageiro e que a força do novo contrariará a destruição do velho?
Pode ser, mas a verdade é que não me sinto seguro
para confortar e projetar um futuro para a Margarida e para o Francisco no qual
o “prazer direto das coisas” lhes guie
o quotidiano!
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