quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

THROTTLEMAN, FIM DE LINHA



O artigo de hoje do Daniel Deusdado (DD) no JN chama a atenção para uma realidade muitas vezes acusatoriamente badalada mas poucas vezes devidamente ilustrada: as gigantescas incongruências, e as correspondentes desgraças, que se apoderam de uma sociedade cujo funcionamento depende largamente do Estado e em que a governação deste é significativamente função de uma ditadura acéfala das Finanças sobre as pessoas e a economia real.

O caso em apreço tem a ver com a “Throttleman”, uma marca portuguesa de vestuário para homem, senhora e criança que já detinha uma rede de cerca de cinquenta lojas, além de representações no “El Corte Inglès” e em espaços comerciais multimarca, e que foi há dias declarada falida. A história da empresa remonta a 1991, quando quatro jovens empreendedores acabados de sair da universidade decidiram criar a “Boxer Shorts” – à época apenas comercializando boxers, camisas e gravatas para homem –, e conheceu vicissitudes muito diversas; pessoalmente, cheguei a conhecer algumas delas bem de perto.

Não terão sido cometidos erros, estratégicos ou de ordem corrente, no decurso do projeto empresarial que agora vê chegado o seu termo? A ousada internacionalização inicial, o alargamento da gama de produtos, a gestão da subcontratação, as recentes incursões no Médio Oriente e em Angola ou outros? Inquestionavelmente que sim, sendo contudo certo que o momento final acaba por não ser tanto o produto deles – sempre melhor ou pior ultrapassados com a devida aprendizagem e correção de tiro – como o resultado de mais um dos avassaladores bloqueios institucionais que definem este país.

Por economia de espaço, cito DD: “Uma média de 12 milhões de vendas anuais revelavam-se insuficientes. Os 23 milhões de euros de passivo acumulado pela Throttleman e Red Oak levaram então a que, em novembro de 2012, ambas avançassem para o ‘Processo Especial de Revitalização’, um mecanismo criado pelo Estado para ajudar empresas em dificuldades. Viáveis ou não? Os credores decidiriam. E neste caso as coisas correram de forma extraordinária: em apenas 76 dias conseguiu-se um acordo com cerca de 80% de créditos, incluindo a Segurança Social. Quem faltou? Praticamente apenas o Ministério das Finanças, ainda por cima credor privilegiado. Aceite pelo tribunal o Plano de Recuperação, vida nova? Errado. As Finanças interpõem um recurso judicial que impediu a recuperação de arrancar. Há um ano. Apesar das Finanças e da Segurança Social terem assegurado o ressarcimento de 100% da dívida em 150 prestações, acrescidas de juros a uma média de 6,25%, as Finanças não aceitaram que os juros antigos e as coimas fossem perdoados em 80%. Uma gota no conjunto de todo o processo. (...) A Throttleman andou 12 meses a lutar com as Finanças em recursos judiciais e depois o processo encalhou no Tribunal Constitucional. Entretanto, a gestão tornou-se impossível. Há dias anunciou o pedido de insolvência. Tinha 200 trabalhadores. As Finanças (e todos os outros) vão agora receber zero ou pouco mais.”

Ah, e já agora, não seria também de deitar uma vista de olhos sobre o que andam para aí a fazer os chamados administradores de insolvência?

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