quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

PAOLO FELLINI OU FEDERICO SORRENTINO?


No quase desconhecimento que tinha em relação ao realizador Paolo Sorrentino, hesitei em arriscar – seria mais um daqueles desconchavos franco-italianos que por aí vão abundando? –, até porque a dúvida me era alimentada pela larga maioria da crítica nacional e só uma leitura muito positiva de Jorge Leitão Ramos (JLR) a contrariava. Segui mais uma vez a indicação deste e, de novo, não me arrependi.

“La Grande Bellezza” é um filme de rara qualidade e fina sensibilidade, onde tudo surge conjugado com um grande virtuosismo e um rigor filigrânico, do argumento à realização, da cenografia à imagem, da música à interpretação. E onde, apesar de uma sucessão de aparentes absurdos e manifestações de incongruência – como quando a dada altura nos deparamos com uma girafa no meio de uma praça de Roma –, tudo acaba por bater certo naquele universo de sonhos e memórias que também faz parte integrante de uma vida.

E é da vida que se trata, de uma meditação em torno dela. Como refere o protagonista (Jep Gambardella, magistralmente desempenhado por Toni Servillo), “isto é como acaba sempre, com a morte”, “mas primeiro houve a vida, escondida por detrás do blá, blá, blá”. Uma vida que, no caso daquele desencantado jornalista e escritor romano que acaba de celebrar os 65 anos e de receber a notícia da morte do seu primeiro amor, evolui de um hedonismo fútil, voyeurista e decadente para uma deambulação nostálgica, delirante e vertiginosa pelo seu próprio interior e pelas ruas e locais da Cidade Eterna. Alguém escreveu que “ele quer viver, mas a própria ideia de vida é demasiado estreita para ele”; e é o próprio que o confessa quando explica porque não publicou um segundo livro: “andei à procura da grande beleza mas não a encontrei”.

Como decorrerá óbvio para os mais atentos, é completamente impossível não aproximar esta obra de Sorrentino de uma evocação de Fellini e do seu “La Dolce Vita”. Nesta também uma decadência imersa numa existência atormentada e inibidora de “um modo de vida decente” se cruza com um tributo a Roma, aliás admirável. Com a pequena diferença das expressões novas da decadência e a enorme diferença da lucidez de Gambardella, como sustenta JLR – “ele sabe que não há salvação” e “à noite, está deserta a Via Veneto...” – ou como refere, convergentemente, o texto da apresentação oficial em Cannes – de um lado, Jep, que “assiste a esse desfile de uma humanidade oca, derrotada, poderosa e deprimida”; do outro, “Roma no Verão, esplêndida e indiferente, como uma diva morta?”.

Porque, em definitivo, a “grande beleza” está na vida sem truques ou para além deles...

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