quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014

UM GRILO MUITO ESPECIAL

(http://memoriarecenteeantiga.blogspot.pt e http://www.publico.pt)


Três meses depois, o “senador” Eduardo Marçal Grilo (EMG) voltou a falar ao grande público (entrevista a Maria João Avillez, no “Público” de domingo com o sugestivo título “O País não resiste a este pingue-pongue”). Sobre si, a pessoa e o percurso, sobre nós, Portugal e os portugueses, sobre a Gulbenkian e sobre educação.

Vale obviamente muito a pena ler a entrevista no seu todo e em todos os seus detalhes, mas fixar-me-ei aqui em apenas dois tópicos que me foram mais chamativos e se me tornaram mais justificativos deste breve comentário. O primeiro decorre de uma manifestação de experiência e saber acumulados que resulta bem sintetizada na citação que abre este post (juntamente com uma caricatura do Eduardo dos tempos do Liceu Nacional de Castelo Branco, ano letivo de 1958/59, e uma fotografia recente do Prof. Marçal Grilo) e que julgo pertinente complementar com a seguinte: “O ter-me tornado um leitor modificou-me muito, o livro e a leitura são talvez a forma mais reflexiva de olhar para o mundo e de o compreender. Percebe-se o mundo em parte pela televisão mas ela distorce a realidade, enquanto o livro... E não falo apenas do livro rigoroso do historiador mas da ficção. O Eduardo Lourenço, por exemplo, dizia que conhecemos ainda mal como se vivia no Estado Novo porque há muito poucos romances e pouca ficção dessa época.

Tudo isto no interior de uma área que é a de especialização e paixão e em que, perguntado sobre o seu sucessor em exercício na pasta da Educação (Nuno Crato), responde desta forma: “Conheço-o bem, sou seu amigo pessoal, mas julgo que tem feito uma gestão que incide muito, ou que atende mais, a aspectos relacionados com o curriculum, o conteúdo das disciplinas, e que há outros aspectos que não estão a ser acautelados.” Explicitando na continuação serem estes a criatividade, a iniciativa, a responsabilidade, a atitude

O segundo tópico que elegi tem a ver com a economia e a sociedade portuguesas. Pois quanto gostaria eu que fosse fundado o otimismo que EMG assim exprimiu quando colocado perante a questão de se pronunciar sobre se mudou alguma coisa em Portugal e nos portugueses com a crise: “Mudou. Ia falar-lhe disso: a crise introduziu de uma forma muito subliminar, mas rápida, uma alteração de mentalidade em largas camadas de pessoas. Perceberam que há coisas que não vão voltar a ter ou a fazer, do consumismo, à casa própria. Estão muito mais contidas. Aquilo que ocorreu em Portugal aqui há alguns anos — o crédito quase enfiado pelas goelas abaixo — o 'faça férias', 'compre um automóvel', 'compre casa', 'compre o recheio da casa', acabou mesmo. Como acabou a ideia da facilidade do 'emprego no Estado', algo destinado hoje a um mais reduzido número de pessoas. Aliás, e voltando aos partidos, se eles continuarem a querer satisfazer clientelas, dão cabo do Estado e, a seguir, deles próprios.” Pela minha parte, confesso-o, a alteração de mentalidades a que alude EMG parece-me mais assente em certas evidências supervenientes em estado de necessidade do que o resultado de expressões comportamentais conscientes ou devidamente consciencializadas; e quanto aos partidos, a minha completa concordância com o diagnóstico que é feito não dá qualquer sinal de se traduzir por nada mais do que um justo a pregar no deserto

Na mesma linha, e quanto ao que o “desentusiasma”, a resposta também releva de um wishful thinking sobre um novo tecido industrial e novas empresas exportadoras que não só não subscrevo como também não surgem acolhidos pela dura realidade nos termos utilizados: “Algo de complexo que o país vai ter de resolver: este novo tecido industrial e as novas empresas exportadoras, ágeis e flexíveis, capazes de contactar a China, o Brasil, Singapura, a Índia, etc., não vão ter capacidade de absorver o que chamo a herança do modelo anterior: os 300 mil desempregados. Há uma espécie de lastro que ficou, mas o lastro são pessoas. Sabemos que a crise provocou — em certa medida, teria de o fazer — um desemprego muito significativo, maior do que o esperado, mas há que cuidar dessas pessoas...”. Fica assim o lado positivo da afirmação de EMG reduzido à importante chamada de atenção que é feita para a necessidade de tratar do lastro, isto é, de valorizar a preocupação de cuidar das pessoas desempregadas.

A terminar, aqui quero exprimir a minha sincera expectativa de um dia vir a ter em mãos um livro de ficção assinado por uma figura como EMG...

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