quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

DEBATE MORNO



Primeiro dia da conferência sobre os efeitos da crise e das políticas de austeridade sobre o modelo social europeu e suas heterogéneas manifestações em cada país, segundo o modelo de apresentações muito curtas dos resultados dos estudos realizados para 12 países e comentários de parceiros sociais (sindicatos e representantes de patrões).
Debate morno, apesar das evidências gritantes apresentadas em diferentes países, incluindo o nosso, através da diligente apresentação da colega Pilar González, sobre os efeitos galopantemente recessivos das políticas de austeridade como forma de abordagem à crise das dívidas soberanas e da zona euro. Debate feito com uma grande ausência da Comissão Europeia, representada apenas por alguns funcionários da DG Emprego e Assuntos Sociais. Interpelada por uma representante sindical belga, o representante da Comissão Europeia viu-se obrigado a vincar que a Comissão é só uma, mas que existe debate sobre a melhor maneira de sair da crise. Mas por muito esclarecimento oficial que se apresente, toda a gente sabe que a Comissão não é apenas uma, é mais do que uma, com fissuras de interpretação muito acentuadas entre Comissários e DG.
Do debate fica sobretudo a extrema diversidade que o modelo social europeu reveste desde as economias bálticas extra-liberais que continuam a ver no Estado uma forma travestida de diabo comunista (eles lá sabem porquê!), passando pelos verdadeiros atentados à democracia em curso na Hungria nas barbas das instituições europeias (a última é a reforma compulsiva aos 62 anos para os trabalhadores do setor público identificados com a administração do modelo comunista de outrora) até à adaptação exemplar e em tempo oportuno do modelo social sueco, que conseguiu manter a resiliência do modelo social como grande alavanca de amortecimento dos efeitos da crise económica e ao verdadeiro calvário que o modelo social do Reino Unido tem vindo a atravessar.
Perante uma Comissão Europeia praticamente ausente e certamente incomodada com tanta evidência a zurzir na abordagem adotada, fica sobretudo a presença salutar de representantes sindicais e patronais num debate sereno, mas firme, com relevo principal para o representante do Solidariedade polaco que zurziu a bom zurzir na atuação da Comissão Europeia. Algumas notícias relevantes ao nível do diálogo social europeu com o conhecimento da assinatura de uma plataforma de entendimento que visa assegurar a representação de trabalhadores e patrões no G20 e também o seu pronunciamento regular junto das instâncias comunitárias no âmbito da preparação dos sucessivos semestres europeus.
A representação portuguesa esteve a cargo da CGTP (Fernando Manuel Pires Marques) e da Confederação da Indústria Portuguesa (Luís Henrique), sempre em amena cavaqueira, revelando o bom clima na concertação social portuguesa. A CGTP insurgiu-se contra o diagnóstico errado da crise das dívidas soberanas que esteve na base das políticas de austeridade e o representante da CP torceu-se um pouco com a nossa conclusão de que se continuar o clima de ausência de confiança relativamente a instituições nacionais e comunitárias e persistir o bloqueio total da mobilidade social ascendente em Portugal a democracia pode estar em risco, sobretudo no sentido de que a participação democrática ficará reduzida às suas expressões mais residuais e com grande divórcio face às instituições políticas. Mas foi coisa que uma boa conversa posterior não tivesse resolvido.
Para acabar o dia, receção e jantar na Maison des Brasseurs, no 10 da Grande Place, com vista para a praça e o debate virou cavaqueira.
Amanhã há mais.

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