O “Fuck the EU” da intrépida Victoria Nuland, assistente do Secretary of State for European and Eurasian Affairs do governo de
Obama, apesar de ilustrar como a União Europeia é levada a sério nestas coisas
dos equilíbrios mundiais, é uma simples minudência de um momento
particularmente ameaçador para o destino europeu. O que é uma desgraça, pois
apesar de partilhar as interrogações dos que não se consideram representados
por instituições europeias de tão baixa qualidade, não deixo de me considerar
um europeísta inveterado e preocupa-me o desnorte europeu.
Ora, uma das maleitas que deveria moderar o
branqueamento que vai no adro até às europeias do desconchavo de como as
instituições europeias trataram a crise das dívidas soberanas, é o risco sério
da União Europeia e zona Euro estarem já apanhados na teia de um equilíbrio
deflacionário. Ou seja, a Europa corre o sério risco de entrar um longo período
à japonesa, do qual (conviria perguntar aos japoneses) é extremamente difícil (e
longo) sair. A bastante baixa taxa de inflação de 0,7% no mês de janeiro para a
zona euro e as previsões de 0,5% para a próxima primavera determinam que,
embora não sejam favas contadas, muitos analistas estimem que, na reunião do
Conselho de Governadores do BCE da próxima quinta feira, novas descidas das
taxas de referência possam ser anunciadas, incluindo a possibilidade da taxa de
depósitos poder ser fixada pela primeira vez com valor negativo (aparcar fundos
a muito curto prazo no BCE implicará pagar e não receber).
Draghi e a maioria do Conselho de Governadores têm
admitido a ameaça e o risco embora desvalorizando a probabilidade da sua ocorrência
efetiva, o que pode ser o cabo dos trabalhos. Por vezes, estar já enredado num
equilíbrio deflacionário não significa que a perceção do fenómeno seja tão
clara como isso. O BCE tem mantido a postura de que o “zero lower bound” continua a não incomodar a sua ação o que, face
aos números conhecidos, começará inevitavelmente a perturbar analistas e mais
tarde ou mais cedo os próprios mercados. O target inflacionário do BCE sofreu
uma “ligeira” adaptação: “inflação abaixo mas perto dos 2%”. O BCE parece
pressupor que a economia europeia continua a não estar muito longe do seu produto
potencial máximo e que, admitindo que esse pressuposto está correto, a
recuperação económica pressentida em alguns indicadores determinará
incontornavelmente a subida da taxa de inflação e a progressiva proximidade ao “eterno”
target dos 2%.
Ora, o número de economistas que começam a
questionar a bondade destes pressupostos é cada vez mais elevado e não são
apenas economistas americanos a fazê-lo. Primeiro, levantaram-se vozes críticas
quanto ao modo como as instituições europeias estão a medir o produto potencial
da economia. Ultimamente, têm surgido vozes segundo as quais o BCE e as
instituições europeias estão a ignorar que, com taxas de juro típicas de um
ambiente de “zero lower bound”, as
economias podem facilmente entrar num “equilíbrio deflacionário” do qual é difícil
sair e seguramente não com medidas gradualistas, como as que tem sido apanágio
(fora algumas exceções) do BCE.
Embora se trate de um assunto um pouco técnico (wonkish), chamo a atenção para um bem oportuno
post de Gavyn Davies no Financial Times, o qual me remeteu para um artigo académico bem relevante de Juan Antolin-Diáz, antigo quadro do BCE e
atualmente quadro da FULCRUM Asset Management. Aí se explica teoricamente a hipótese
credível do equilíbrio deflacionário e se defende que em primeira linha o BCE
necessita de nova estratégia de comunicação baseada em projeções macroeconómicas
mais aprofundadas e um melhor esclarecimento do pensamento do Conselho de
Governadores. Mas Diáz também conclui que se o abaixamento inflacionário
persistir durante mais algum tempo, agravando-se, então o BCE terá
inevitavelmente de abandonar o gradualismo dos últimos tempos, mesmo, digo,
tendo à perna os alemães.
Ora, em 1 de setembro de 2013, comentei aqui um
artigo incontornável de Christina Romer sobre a eficácia da política monetária
em tempos difíceis como os de hoje, no qual a economista americana salienta a
necessidade de, em tempos difíceis, a política monetária ter de demonstrar que
se inscreve numa mudança de regime, percebida pelo mercado. Em termos monetários,
uma mudança de regime é o contrário do gradualismo em que Draghi se tem
habilmente movimentado.
E a pergunta é óbvia: terá o BCE condições para
uma mudança de regime percetível por analistas, agentes económicos e mercados?
Nestas condições, o desabafo de Victoria Nuland
poderia transformar-se em “Fuck those
inhibiting a monetary shift regime”.
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