sábado, 8 de fevereiro de 2014

DEFLAÇÃO NO HORIZONTE



O “Fuck the EU” da intrépida  Victoria Nuland, assistente do Secretary of State for European and Eurasian Affairs do governo de Obama, apesar de ilustrar como a União Europeia é levada a sério nestas coisas dos equilíbrios mundiais, é uma simples minudência de um momento particularmente ameaçador para o destino europeu. O que é uma desgraça, pois apesar de partilhar as interrogações dos que não se consideram representados por instituições europeias de tão baixa qualidade, não deixo de me considerar um europeísta inveterado e preocupa-me o desnorte europeu.
Ora, uma das maleitas que deveria moderar o branqueamento que vai no adro até às europeias do desconchavo de como as instituições europeias trataram a crise das dívidas soberanas, é o risco sério da União Europeia e zona Euro estarem já apanhados na teia de um equilíbrio deflacionário. Ou seja, a Europa corre o sério risco de entrar um longo período à japonesa, do qual (conviria perguntar aos japoneses) é extremamente difícil (e longo) sair. A bastante baixa taxa de inflação de 0,7% no mês de janeiro para a zona euro e as previsões de 0,5% para a próxima primavera determinam que, embora não sejam favas contadas, muitos analistas estimem que, na reunião do Conselho de Governadores do BCE da próxima quinta feira, novas descidas das taxas de referência possam ser anunciadas, incluindo a possibilidade da taxa de depósitos poder ser fixada pela primeira vez com valor negativo (aparcar fundos a muito curto prazo no BCE implicará pagar e não receber).
Draghi e a maioria do Conselho de Governadores têm admitido a ameaça e o risco embora desvalorizando a probabilidade da sua ocorrência efetiva, o que pode ser o cabo dos trabalhos. Por vezes, estar já enredado num equilíbrio deflacionário não significa que a perceção do fenómeno seja tão clara como isso. O BCE tem mantido a postura de que o “zero lower bound” continua a não incomodar a sua ação o que, face aos números conhecidos, começará inevitavelmente a perturbar analistas e mais tarde ou mais cedo os próprios mercados. O target inflacionário do BCE sofreu uma “ligeira” adaptação: “inflação abaixo mas perto dos 2%”. O BCE parece pressupor que a economia europeia continua a não estar muito longe do seu produto potencial máximo e que, admitindo que esse pressuposto está correto, a recuperação económica pressentida em alguns indicadores determinará incontornavelmente a subida da taxa de inflação e a progressiva proximidade ao “eterno” target dos 2%.
Ora, o número de economistas que começam a questionar a bondade destes pressupostos é cada vez mais elevado e não são apenas economistas americanos a fazê-lo. Primeiro, levantaram-se vozes críticas quanto ao modo como as instituições europeias estão a medir o produto potencial da economia. Ultimamente, têm surgido vozes segundo as quais o BCE e as instituições europeias estão a ignorar que, com taxas de juro típicas de um ambiente de “zero lower bound”, as economias podem facilmente entrar num “equilíbrio deflacionário” do qual é difícil sair e seguramente não com medidas gradualistas, como as que tem sido apanágio (fora algumas exceções) do BCE.
Embora se trate de um assunto um pouco técnico (wonkish), chamo a atenção para um bem oportuno post de Gavyn Davies no Financial Times, o qual me remeteu para um artigo académico bem relevante  de Juan Antolin-Diáz, antigo quadro do BCE e atualmente quadro da FULCRUM Asset Management. Aí se explica teoricamente a hipótese credível do equilíbrio deflacionário e se defende que em primeira linha o BCE necessita de nova estratégia de comunicação baseada em projeções macroeconómicas mais aprofundadas e um melhor esclarecimento do pensamento do Conselho de Governadores. Mas Diáz também conclui que se o abaixamento inflacionário persistir durante mais algum tempo, agravando-se, então o BCE terá inevitavelmente de abandonar o gradualismo dos últimos tempos, mesmo, digo, tendo à perna os alemães.
Ora, em 1 de setembro de 2013, comentei aqui um artigo incontornável de Christina Romer sobre a eficácia da política monetária em tempos difíceis como os de hoje, no qual a economista americana salienta a necessidade de, em tempos difíceis, a política monetária ter de demonstrar que se inscreve numa mudança de regime, percebida pelo mercado. Em termos monetários, uma mudança de regime é o contrário do gradualismo em que Draghi se tem habilmente movimentado.
E a pergunta é óbvia: terá o BCE condições para uma mudança de regime percetível por analistas, agentes económicos e mercados?
Nestas condições, o desabafo de Victoria Nuland poderia transformar-se em “Fuck those inhibiting a monetary shift regime”.

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