(Jornal Público)
Já algum tempo que os Institutos Superiores Politécnicos
atravessam uma fase de grande tensão. Em artigo que elaborei com o meu filho
Hugo para uma publicação da Associação Portuguesa do Desenvolvimento Regional (APDR),
estudámos sobretudo a polarização que se vai instalando entre estas instituições,
sendo hoje visíveis três grandes grupos de instituições: (i) Os Institutos
Politécnicos do Porto e de Lisboa, de maior amplitude o do Porto, com um
espectro mais largo de oferta de formação, destacam-se claramente; (ii) um
segundo grupo que mantém uma forte interação com sistemas produtivos
resilientes, como o Cávado, Leiria e Setúbal, por exemplo; e (iii) um terceiro
grupo em grandes dificuldades, com fortíssima regressão de procura,
genericamente identificados com os Politécnicos interiores.
O Ministério de Nuno Crato navega na ideia
peregrina de que o sistema de ensino superior seria ainda binário, com os Politécnicos
a assumirem uma função mais profissionalizante. Pura ilusão. O sistema não é já
binário. As Universidades invadiram concorrencialmente o mundo dos Politécnicos,
sobretudo depois de Bolonha. Por sua vez, os Politécnicos mais apetrechados
replicaram a Universidade e, como o Politécnico do Porto bem o ilustra,
treparam por aí acima em matéria de investigação científica internacionalmente
reconhecida. Mas Crato é teimoso e nunca abandonou a ideia de regressar ao
imaginário Politécnico inicial e tudo tem feito para encurralar estas instituições
e retirar-lhes a pretensão de replicar a Universidade.
Os agora legislados Cursos Técnicos Superiores
Profissionais (CTSP) que poderão candidatar-se a financiamento comunitário são
a mais recente tentativa de colocar as Instituições Superiores Politécnicas
(ISP) a fazer formação profissional superior, imagina-se também para ajudar a
cumprir a meta europeia de 40% de jovens entre os 30 a 34 anos com formação
superior.
Os CTSP são concebidos como um ciclo de estudos
superiores que não conferem grau académico mas que representam alguma forma de
qualificação superior e são desenhados para serem ministrados pelos ISP, sob a
condição de abandono dos Cursos de Especialização Tecnológica que algumas
ministram. São cursos de dois anos, com um ano de formação de base, um semestre
de formação em contexto empresarial e um outro semestre de estágio também empresarial.
Para além da resistência dos Politécnicos a enveredarem por essa quebra
consentida de estatuto, o tiro do governo arrisca-se a sair pela culatra,
sobretudo em função de três fatores principais:
- O modo como este ciclo de estudos superiores irá corresponder às necessidades empresariais na área de influência dos PO que financiarão a sua realização;
- A resposta que eles irão ter dos ISP;
- A procura potencial das famílias e dos indivíduos para estes ciclos de estudos superiores.
Quanto ao fator procura empresarial, o lançamento
desta modalidade de formação deveria corresponder a um instrumento de
intervenção por parte dos PO Regionais para, no âmbito das Estratégias Regionais
de Especialização Inteligente, poderem servir as empresas envolvidas com
qualificações intermédias correspondentes a necessidades que não justifica
cobrir com ativos licenciados. Admitindo que as empresas validam
antecipadamente o teor da formação de base que o primeiro ano do ciclo irá
assegurar, o facto do segundo ano decorrer em contexto de trabalho (formação e
estágio subsequente) pode atrair as empresas numa lógica de proximidade às
condições de formação (que poderão influenciar), com vantagens informacionais em
relação a futuro recrutamento. Admitindo que formação e estágio poderão ocorrer
na mesma empresa ela conseguirá um período relativamente longo de conhecimento
do jovem em formação.
O segundo fator suscita outro tipo de
considerações. Em termos objetivos, a medida visa também proporcionar aos ISP
uma outra faixa de procura, sobretudo para as instituições que, implantadas em
zonas mais interiores e com maior declínio e esvaziamento demográficos, têm
vindo a debater-se com uma diminuição sustentada da procura dos seus cursos e a
representar uma ínfima percentagem das primeiras preferências de jovens que
residem ainda na área de influência desses ISP. Antevemos aqui uma contradição
possível que deve ser anotada. As ISP que irão encontrar uma massa crítica mais
saliente de procura empresarial para envolvimento nestes ciclos de estudos
estarão situadas em territórios nos quais a diminuição de procura de cursos é
menos saliente. Estamos a falar de territórios litorais, com sistemas
produtivos locais muito resilientes e nos quais as empresas instaladas poderão
ter simultaneamente necessidades de formação avançada e de técnicos de base e
intermédios. Mas a contradição é que nestes territórios estão situados os ISP
melhor apetrechadas e que têm conseguido dinâmicas de oferta de licenciaturas e
mestrados com procura aceitável. Pelo contrário, nas regiões mais interiores,
nas quais os ISP poderão estar mais interessados na medida, serão essas em que
a procura empresarial poderá ser mais rarefeita e com isso estarmos perante uma
medida que enfrentará problemas de formação de procura de apoios.
Finalmente, o fator mais crítico situa-se na
procura das famílias. Em condições de plena igualdade de apoios, de condições
financeiras de acesso e de perspetivas de empregabilidade, existem riscos de
que as famílias entre uma formação de licenciatura num ISP com três anos (e à
qual podem associar a representação social de uma licenciatura de Bolonha) e
uma formação de 2 anos, sem grau académico (logo com uma representação social
diversa mas inferior) possam optar pela primeira.
Se assim for, o risco desta modalidade de
formação é acolher públicos cada vez mais desconectados de uma lógica de
formação consequente e assumida, tendendo a desvalorizá-la no tempo. Condições
financeiras de acesso diferenciadoras (não despiciendas no contexto global da
sociedade portuguesa) e melhores perspetivas de empregabilidade para os CTSP (a
ganhar ou perder em função do envolvimento e validação empresarial) podem
reduzir este risco.
Pelas reações à medida hoje referenciadas na
imprensa, o governo não terá nos ISP executoras entusiastas desta nova
modalidade de formação. Vejam a contradição. Nos últimos anos, a regulação do
ensino superior obrigou os Politécnicos a fortes investimentos em doutoramentos
e qualificação do seu corpo docente. Agora convida-os a fazer formação
profissional de âmbito superior. Sugestivo, não?
Sem comentários:
Enviar um comentário