quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014

PROPOSTAS PARA UMA ECONOMIA MENOS ARROGANTE



As culpas no cartório que alguma ciência económica teve no não acautelamento dos efeitos de uma complexa e demorada recuperação dos acontecimentos económicos e financeiros com epicentro nos EUA em 2007-2008 e na abordagem à crise das dívidas soberanas na zona euro têm interpelado fortemente a ciência económica. Essa interpelação como seria de esperar tem despertado todos os demónios da conflitualidade entre paradigmas e, espero eu, não poderá deixar de ter efeitos no que se ensina em economia e como se ensina.
O economista escandinavo Lars P. Syll, já aqui por algumas vezes referenciado, apresentou recentemente o que designaria de elementos para um manifesto. Curiosamente, Syll recorre a uma citação que historicamente tem sido atribuída a Keynes, mas da qual não se encontra evidência segura que o seja: “É melhor estar aproximadamente certo do que rigorosamente errado.” Até porque uma leitura da Teoria Geral depressa nos alertaria para a preocupação de rigor formal que se respira daquela obra, embora não necessariamente apresentada segundo complexos modelos matemáticos. Mas a citação é o menos, o que interessa são as propostas:
“ (1) Parem de fingir que têm respostas exatas e rigorosas para tudo. Porque não têm. Construímos modelos e teorias e dizemos às pessoas que podemos calcular e prever o futuro. Mas fazemo-lo com base em pressupostos matemáticos e estatísticos que frequentemente têm pouco ou nada que ver com a realidade. Fingindo que não são diferenças realmente importantes entre modelo e realidade induzimos as pessoas a pensar que temos as coisas sob controlo. Não temos. Este falso sentimento de segurança foi um dos fatores que contribuiu para a crise financeira de 2008.
(2) Parem com a infantil e exagerada crença na matemática como instrumento de resposta para as questões económicas importantes. A matemática dá respostas exatas para questões exatas. Mas as questões relevantes e interessantes com que nos deparamos no universo económico raramente são dessa natureza. Questões como “2+2 = 4?” nunca se colocam nas economias reais. Em vez de uma dependência errada dos modelos abstratos matemático-dedutivos-axiomáticos sem qualquer contributo para o nosso conhecimento das economias reais, seria bem melhor se recorrêssemos a modelos mais singelos e relevantes e estudos e observações empíricas.  
(3) Parem de imaginar que há leis em economia. Não há leis universais em economia. As economias não são sistemas planetários ou laboratórios de física. O máximo a que podemos aspirar nas economias reais é estabelecer possíveis tendências com vários graus de generalização.
(4) Parem de tratar as outras ciências sociais como de relações pobres se tratasse. A economia padeceu durante longo tempo de falta de humildade. Uma ciência de mente mais aberta e multivariada enriqueceria a economia autista de hoje.”
(5) Parem de construir modelos e fazer previsões do futuro baseados em macromodelos com fundamentos micro totalmente irrealistas e otimizações intertemporais de atores representativos tipo-robôs equipados com expectativas racionais. Isso é um puro non sense. Temos de construir modelos baseados em pressupostos que não estejam em contradição com a realidade. Assumir que as pessoas são verdes e vêm de Marte não é uma boa estratégia de modelização, nem sequer por aproximações sucessivas”.
Talvez a proposta de Lars P. Syll possa ser acomodada reivindicando que a economia precisa de uma arte de saber combinar modelos em função dos problemas concretos para cuja resolução pode modestamente contribuir. Combinar modelos na mais completa liberdade intelectual, libertos de amarras e princípios predeterminados.

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