As culpas no cartório que alguma ciência económica
teve no não acautelamento dos efeitos de uma complexa e demorada recuperação
dos acontecimentos económicos e financeiros com epicentro nos EUA em 2007-2008 e
na abordagem à crise das dívidas soberanas na zona euro têm interpelado fortemente
a ciência económica. Essa interpelação como seria de esperar tem despertado
todos os demónios da conflitualidade entre paradigmas e, espero eu, não poderá
deixar de ter efeitos no que se ensina em economia e como se ensina.
O economista escandinavo Lars P. Syll, já aqui
por algumas vezes referenciado, apresentou recentemente o que designaria de elementos para um manifesto. Curiosamente, Syll recorre a uma citação que
historicamente tem sido atribuída a Keynes, mas da qual não se encontra evidência
segura que o seja: “É melhor estar aproximadamente
certo do que rigorosamente errado.” Até porque uma leitura da Teoria Geral
depressa nos alertaria para a preocupação de rigor formal que se respira
daquela obra, embora não necessariamente apresentada segundo complexos modelos
matemáticos. Mas a citação é o menos, o que interessa são as propostas:
“ (1) Parem de fingir que têm respostas exatas e rigorosas para
tudo. Porque não têm. Construímos modelos e teorias e dizemos às pessoas que
podemos calcular e prever o futuro. Mas fazemo-lo com base em pressupostos
matemáticos e estatísticos que frequentemente têm pouco ou nada que ver com a
realidade. Fingindo que não são diferenças realmente importantes entre modelo e
realidade induzimos as pessoas a pensar que temos as coisas sob controlo. Não
temos. Este falso sentimento de segurança foi um dos fatores que contribuiu
para a crise financeira de 2008.
(2) Parem com a infantil e exagerada crença na
matemática como instrumento de resposta para as questões económicas
importantes. A matemática dá respostas exatas para questões exatas. Mas as
questões relevantes e interessantes com que nos deparamos no universo económico
raramente são dessa natureza. Questões como “2+2 = 4?” nunca se colocam nas
economias reais. Em vez de uma dependência errada dos modelos abstratos matemático-dedutivos-axiomáticos
sem qualquer contributo para o nosso conhecimento das economias reais, seria
bem melhor se recorrêssemos a modelos mais singelos e relevantes e estudos e
observações empíricas.
(3) Parem de imaginar que há leis em economia. Não há
leis universais em economia. As economias não são sistemas planetários ou
laboratórios de física. O máximo a que podemos aspirar nas economias reais é
estabelecer possíveis tendências com vários graus de generalização.
(4) Parem de tratar as outras ciências sociais
como de relações pobres se tratasse. A economia padeceu durante longo tempo de
falta de humildade. Uma ciência de mente mais aberta e multivariada
enriqueceria a economia autista de hoje.”
(5) Parem de construir modelos e fazer previsões do futuro
baseados em macromodelos com fundamentos micro totalmente irrealistas e otimizações
intertemporais de atores representativos tipo-robôs equipados com expectativas
racionais. Isso é um puro non sense. Temos de construir modelos baseados em
pressupostos que não estejam em contradição com a realidade. Assumir que as
pessoas são verdes e vêm de Marte não é uma boa estratégia de modelização, nem
sequer por aproximações sucessivas”.
Talvez a proposta de Lars P. Syll possa ser
acomodada reivindicando que a economia precisa de uma arte de saber combinar
modelos em função dos problemas concretos para cuja resolução pode modestamente
contribuir. Combinar modelos na mais completa liberdade intelectual, libertos
de amarras e princípios predeterminados.
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