segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

TÃO PARECIDOS …




(A pena viperina de Xosé Luís Barreiro Rivas na Voz de Galicia de hoje faz-me pensar como somos parecidos, galegos e nortenhos, ou se quiserem galegos e portugueses. O tema é a reação à possível perda de fundos da Coesão por parte da região vizinha. Vale a pena ler.)

Xosé Luís Barreiro é um dos mais viperinos cronistas que as letras galegas nos apresentam. É difícil ficar indiferente à incomodidade da sua prosa. É um personagem politicamente difícil de classificar. Associado aos movimentos antifranquistas que emergiram na Complutense de Madrid nos anos 70, acabou por ser deputado no Parlamento da Galiza de 1981 a 1989 pela Aliança Popular a cuja criação na Galiza está ligado. Foi ainda conselheiro da Presidência de 1982 a 1986, homem forte do governo de Fernández Albor. Truculento, a sua demissão desse Governo regional, apoiando a moção de censura que levou o meu amigo professor Fernando González Laxe (PSOE) ao poder, do qual acabou por ser Vice-Presidente, valendo-lhe o estatuto de trânsfuga político mais inesperado da história política galega. Xosé Luís Barreiro tem uma carreira académica notável, doutorado em ciência política e sociologia pela Complutense e tem uma intensa atividade de cronista e pensador político nas letras galegas, sendo um comentarista de referência na Voz de Galicia. Os seus comentários viperinos contra o independentismo catalão ficaram conhecidos na imprensa espanhola, tendo nos últimos tempos feito algumas aproximações a Rajoy, com o qual manteve intensa disputa política nos tempos de Fraga Iribarne e quando Rajoy desempenhou funções políticas na Xunta. O El País documentava em inícios de 2017 um almoço de aproximação no restaurante de eleição de Rajoy quando permanece na sua região (o Clube Náutico) (link aqui).

As crónicas de Xosé Luís Barreiro na VOZ não deixam ninguém indiferente, tamanha é a frontalidade que os seus textos assumem, qualquer que seja o nosso posicionamento político. Em iniciativas do Eixo Atlântico tive oportunidade de privar em reunião de discussão aberta e franca com o cronista. Ao vivo e em pleno raciocínio verbal, é tremendo de acutilância e de xiste político. É de facto um personagem de um outro tempo da política, cuja réplica começa a ser difícil encontrar nos tempos que correm.

A crónica de hoje é provocatória quanto baste: “Galicia se mantiene pobre de espíritu” (bem aventurados os pobres de espírito) (link aqui). De onde vem o chiste? O pretexto é a reação que vai emergindo na Galiza contra a possibilidade da Galiza perder fundos de coesão, em comparação com o vizinho Norte e Portugal que os manterá por mais um ou vários (veremos) períodos de programação: (…) “muitos políticos e economistas suspiram de novo por aqueles tempos em que éramos pobres e não falta quem – para demonstrar que este país não tem remédio – veio recordar que Portugal – o novo mito do estrangeiro feliz – logrou manter as remessas de Bruxelas. Que hábeis eles são – viva Orza! – e que desastre somos nós”.

A referência ao Conselheiro Orza, com o qual cheguei a privar nas minhas andanças da cooperação nortenho-galaica, deve-se a uma infeliz tirada do responsável pela Economia da Xunta que se vangloriava do facto da região galega não acompanhar na época a perda de fundos de regiões como Aragão e Cantábria.

Vejam esta ironia viperina q.b.:

O meu avô, Henrique Barreiro Quintillán, dizia que a isso se referia Cristo na sétima bem-aventurança, quando proclamava a excelência moral dos “pobres de espírito”, aqueles que, independentemente de ser pobres, ricos ou opulentos, têm a virtude da pobreza e vivem como tais e sentem o peso da culpa quando um bom ano lhes enchia de pão as reservas do Hórreo. O meu avô era canteiro e ainda que em criança tivesse sido sacristão e sabia de memória o Prefácio regular, não sabia teologia, pelo que descrevia muito mal a pobreza cristã. Mas tinha bem gravado, creio eu, a pobreza mental de certos laicos galegos.”

Uma delícia. Estou a imaginar as lágrimas desesperadas dos responsáveis nortenhos quando numa eventualidade desejável o Norte ficasse fora dos fundos da Coesão, certamente porque o seu nível de desenvolvimento o não justificaria. Arriscaria dizer que os pobres de espírito do lado de cá ditariam as suas mágoas e carpiriam queixumes que baste. O problema é que não teríamos a pena viperina de Xosé Luís Barreiros para lhes captar essa pobreza de espírito.

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