(A pena viperina de Xosé Luís Barreiro Rivas na Voz de
Galicia de hoje faz-me pensar como somos parecidos, galegos e nortenhos, ou se
quiserem galegos e portugueses. O tema é a reação à possível perda
de fundos da Coesão por parte da região vizinha. Vale a pena ler.)
Xosé Luís Barreiro é um
dos mais viperinos cronistas que as letras galegas nos apresentam. É difícil
ficar indiferente à incomodidade da sua prosa. É um personagem politicamente difícil
de classificar. Associado aos movimentos antifranquistas que emergiram na
Complutense de Madrid nos anos 70, acabou por ser deputado no Parlamento da
Galiza de 1981 a 1989 pela Aliança Popular a cuja criação na Galiza está
ligado. Foi ainda conselheiro da Presidência de 1982 a 1986, homem forte do
governo de Fernández Albor. Truculento, a sua demissão desse Governo regional,
apoiando a moção de censura que levou o meu amigo professor Fernando González
Laxe (PSOE) ao poder, do qual acabou por ser Vice-Presidente, valendo-lhe o estatuto
de trânsfuga político mais inesperado da história política galega. Xosé Luís
Barreiro tem uma carreira académica notável, doutorado em ciência política e
sociologia pela Complutense e tem uma intensa atividade de cronista e pensador
político nas letras galegas, sendo um comentarista de referência na Voz de
Galicia. Os seus comentários viperinos contra o independentismo catalão ficaram
conhecidos na imprensa espanhola, tendo nos últimos tempos feito algumas
aproximações a Rajoy, com o qual manteve intensa disputa política nos tempos de
Fraga Iribarne e quando Rajoy desempenhou funções políticas na Xunta. O El País
documentava em inícios de 2017 um almoço de aproximação no restaurante de eleição
de Rajoy quando permanece na sua região (o Clube Náutico) (link aqui).
As crónicas de Xosé Luís
Barreiro na VOZ não deixam ninguém indiferente, tamanha é a frontalidade que os
seus textos assumem, qualquer que seja o nosso posicionamento político. Em
iniciativas do Eixo Atlântico tive oportunidade de privar em reunião de discussão
aberta e franca com o cronista. Ao vivo e em pleno raciocínio verbal, é
tremendo de acutilância e de xiste político. É de facto um personagem de um
outro tempo da política, cuja réplica começa a ser difícil encontrar nos tempos
que correm.
A crónica de hoje é
provocatória quanto baste: “Galicia se
mantiene pobre de espíritu” (bem aventurados os pobres de espírito) (link aqui). De
onde vem o chiste? O pretexto é a reação que vai emergindo na Galiza contra a
possibilidade da Galiza perder fundos de coesão, em comparação com o vizinho
Norte e Portugal que os manterá por mais um ou vários (veremos) períodos de
programação: (…) “muitos políticos e economistas suspiram de
novo por aqueles tempos em que éramos pobres e não falta quem – para demonstrar
que este país não tem remédio – veio recordar que Portugal – o novo mito do
estrangeiro feliz – logrou manter as remessas de Bruxelas. Que hábeis eles são –
viva Orza! – e que desastre somos nós”.
A referência ao
Conselheiro Orza, com o qual cheguei a privar nas minhas andanças da cooperação
nortenho-galaica, deve-se a uma infeliz tirada do responsável pela Economia da
Xunta que se vangloriava do facto da região galega não acompanhar na época a
perda de fundos de regiões como Aragão e Cantábria.
Vejam esta ironia
viperina q.b.:
“O meu
avô, Henrique Barreiro Quintillán, dizia que a isso se referia Cristo na sétima
bem-aventurança, quando proclamava a excelência moral dos “pobres de espírito”,
aqueles que, independentemente de ser pobres, ricos ou opulentos, têm a virtude
da pobreza e vivem como tais e sentem o peso da culpa quando um bom ano lhes
enchia de pão as reservas do Hórreo. O meu avô era canteiro e ainda que em criança
tivesse sido sacristão e sabia de memória o Prefácio regular, não sabia teologia,
pelo que descrevia muito mal a pobreza cristã. Mas tinha bem gravado, creio eu,
a pobreza mental de certos laicos galegos.”
Uma delícia. Estou a
imaginar as lágrimas desesperadas dos responsáveis nortenhos quando numa
eventualidade desejável o Norte ficasse fora dos fundos da Coesão, certamente
porque o seu nível de desenvolvimento o não justificaria. Arriscaria dizer que
os pobres de espírito do lado de cá ditariam as suas mágoas e carpiriam queixumes
que baste. O problema é que não teríamos a pena viperina de Xosé Luís Barreiros
para lhes captar essa pobreza de espírito.
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