domingo, 25 de fevereiro de 2018

PRODUTIVIDADE E SALÁRIOS




(A divergência entre o crescimento da produtividade e dos salários é hoje um dos grandes mistérios da economia contemporânea, com os EUA à cabeça, mas com extensão a outras economias avançadas. A ideia de mistério pode talvez com vantagem ser substituída pela de “demasiadas explicações” para um fenómeno crucial nas democracias ocidentais.

Sem falsa modéstia, este espaço foi dos primeiros a colocar este tema no centro do debate económico dos tempos de hoje, com largas implicações no por muitos procurado revigoramento da social-democracia.

Foi a economia americana que deu o alerta. Até 1973, as curvas que descrevem a evolução da produtividade por hora e do salário (remuneração) médio andaram de mãos dadas, a par uma da outra. A partir daí, a divergência instalou-se. Entre 1973 e 2016, a um crescimento do salário médio de 11% correspondeu um crescimento da produtividade de cerca de 75%. Estamos conversados.

Rapidamente transformada no mistério das economias avançadas de hoje e com larga associação ao tema do declínio das classes médias, a divergência acima mencionada tem sido objeto de um sem número de tentativas de explicação. O artigo de Anna Stansbury e Lawrence Summers no VOX EU que inspira a revisita do tema regista uma mão cheia de explicações possíveis (link aqui):

  • A corrida entre educação e tecnologia que valoriza apenas os salários dos trabalhadores com competências mais avançadas;
  • A perda de poder e de representatividade da sindicalização;
  • A própria globalização;
  • As ondas de imigração;
  • O efeito das empresas estrela;
  • A concentração empresarial e poder de monopólio transformados em monopsónio da procura de trabalho;
  • As alterações das próprias instituições do mercado de trabalho;
  • A acumulação de capital e o efeito de desigualdade que ela veicula;
  • A combinação de efeitos com a queda pronunciada da percentagem de remunerações do trabalho no rendimento.

Stansbury e Summers dividem esta panóplia de explicações em duas grandes famílias, as de raiz tecnológica, como a automação robotizada e a queda brutal dos preços relativos dos bens de investimento ou capital e as que recorrem à tecnologia apenas indiretamente e apontam para questões do foro mais institucional e estrutural.

Pressupondo que entre ritmo de variação de progresso técnico e da produtividade existe uma relação consistente (tem sido assim ao longo do tempo longo), então deveria verificar-se que em tempos de rápido progresso técnico (de crescimento da produtividade) a desigualdade deveria aumentar. Não há evidência robusta que isso aconteça.

O que Stansbury e Summers pretendem mostrar é que o facto da produtividade e do salário médio terem começado a divergir isso não significa que o aumento da produtividade não seja um elemento potenciador relevante dos aumentos salariais. Simplesmente, o que acontece é que enquanto a produtividade puxa para cima o salário, outras forças, certamente mais poderosas do que a produtividade que tem estado longe de impressionar, rebaixam fortemente o salário médio e assim se explicaria a misteriosa divergência.

Tenho um grande apreço por esta tese. Parece-me precipitada e perigosa a interpretação de que a divergência entre produtividade e salário faça perder de vista a influência potencial da primeira no segundo. A evidência é antes outra: o crescimento da produtividade não é por si só suficiente para aumentar os rendimentos médios reais de quem trabalha. A produtividade não pode ser esquecida. Sem ela não teríamos o nosso bem-estar material de hoje. O desafio está antes na combinação de políticas de inovação (de aumento da produtividade) com alcance inclusivo. O que é outra conversa e com outro alcance político.

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