(A divergência entre o crescimento da produtividade e dos
salários é hoje um dos grandes mistérios da economia contemporânea, com os EUA à
cabeça, mas com extensão a outras economias avançadas. A ideia de
mistério pode talvez com vantagem ser substituída pela de “demasiadas explicações”
para um fenómeno crucial nas democracias ocidentais.
Sem falsa modéstia, este
espaço foi dos primeiros a colocar este tema no centro do debate económico dos tempos
de hoje, com largas implicações no por muitos procurado revigoramento da
social-democracia.
Foi a economia americana
que deu o alerta. Até 1973, as curvas que descrevem a evolução da produtividade
por hora e do salário (remuneração) médio andaram de mãos dadas, a par uma da
outra. A partir daí, a divergência instalou-se. Entre 1973 e 2016, a um crescimento
do salário médio de 11% correspondeu um crescimento da produtividade de cerca
de 75%. Estamos conversados.
Rapidamente transformada
no mistério das economias avançadas de hoje e com larga associação ao tema do declínio
das classes médias, a divergência acima mencionada tem sido objeto de um sem número
de tentativas de explicação. O artigo de Anna Stansbury e Lawrence Summers no VOX EU que
inspira a revisita do tema regista uma mão cheia de explicações possíveis (link aqui):
- A corrida entre educação e tecnologia que valoriza apenas os salários dos trabalhadores com competências mais avançadas;
- A perda de poder e de representatividade da sindicalização;
- A própria globalização;
- As ondas de imigração;
- O efeito das empresas estrela;
- A concentração empresarial e poder de monopólio transformados em monopsónio da procura de trabalho;
- As alterações das próprias instituições do mercado de trabalho;
- A acumulação de capital e o efeito de desigualdade que ela veicula;
- A combinação de efeitos com a queda pronunciada da percentagem de remunerações do trabalho no rendimento.
Stansbury e Summers dividem
esta panóplia de explicações em duas grandes famílias, as de raiz tecnológica,
como a automação robotizada e a queda brutal dos preços relativos dos bens de
investimento ou capital e as que recorrem à tecnologia apenas indiretamente e
apontam para questões do foro mais institucional e estrutural.
Pressupondo que entre
ritmo de variação de progresso técnico e da produtividade existe uma relação
consistente (tem sido assim ao longo do tempo longo), então deveria
verificar-se que em tempos de rápido progresso técnico (de crescimento da
produtividade) a desigualdade deveria aumentar. Não há evidência robusta que
isso aconteça.
O que Stansbury e
Summers pretendem mostrar é que o facto da produtividade e do salário médio
terem começado a divergir isso não significa que o aumento da produtividade não
seja um elemento potenciador relevante dos aumentos salariais. Simplesmente, o
que acontece é que enquanto a produtividade puxa para cima o salário, outras
forças, certamente mais poderosas do que a produtividade que tem estado longe
de impressionar, rebaixam fortemente o salário médio e assim se explicaria a
misteriosa divergência.
Tenho um grande apreço
por esta tese. Parece-me precipitada e perigosa a interpretação de que a divergência
entre produtividade e salário faça perder de vista a influência potencial da
primeira no segundo. A evidência é antes outra: o crescimento da produtividade
não é por si só suficiente para aumentar os rendimentos médios reais de quem
trabalha. A produtividade não pode ser esquecida. Sem ela não teríamos o nosso
bem-estar material de hoje. O desafio está antes na combinação de políticas de
inovação (de aumento da produtividade) com alcance inclusivo. O que é outra
conversa e com outro alcance político.
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