domingo, 11 de fevereiro de 2018

O PESO DO ESTADO E OS LIBERAIS EM PORTUGAL




(Os nossos liberais de pacotilha e de trazer por casa costumam invocar que a histórica dependência que os Portugueses, particularmente a sua frágil classe média, apresentam face ao Estado é responsável pelo êxito do inesperado acordo parlamentar à esquerda. Assim, uma compreensível inércia do bem bom da proteção pública explicaria o sucesso da geringonça, apesar dos arrufos circunstanciais que, aqui e ali, vão aparecendo. Entretanto, novos dados de opinião pública no Reino Unido aconselham que os nossos liberais pensem melhor na sua vidinha, triste vidinha… )

O sempre arguto e perspicaz Simon Wren-Lewis tem no seu último artigo no MAINLY MACRO (link aqui) matéria bem relevante para compreender as dificuldades da direita mais liberal em Portugal, cansados, coitados, de clamar que ninguém os compreende. Não terão por isso gostado muito que o Senhor Jerónimo Martins /Pingo Doce ontem os tenha presenteado com a afirmação de que a geringonça até não tem funcionado mal, esperando que no ano que vem não estraguem tudo.

O argumento que essa direita liberal costuma invocar pode ser reportado aos escritos de Vasco Pulido Valente. Afinal, a vidinha dos Portugueses e da sua vulnerável classe média estaria umbilicalmente ligada ao Estado, ao emprego que ele acolhe e aos regimes laborais que patrocina, aos benefícios que distribui, à sua sombra protetora. Convém não esquecer que em Portugal foi o Estado que precedeu a Nação e por isso a sua “corte” tem muita força. Tal dependência estende-se ao topo do tecido empresarial e dos mais poderosos que não hesitam em capturar esse Estado para os seus interesses e aí estamos de acordo. Há rendas a mais e em torno disso até sou capaz de criar uma ponte entre uma esquerda mais desinibida e essa direita liberal. Nesse contexto, toda a solução política que não quebra esse status quo tem pernas para andar. E os injustiçados liberais ou se refugiam em outras atitudes (caso Vasco Pulido Valente) zangados com os Portugueses ou então penam a bom penar para encontrar uma base político-eleitoral para fazer avançar as suas teses. Não me canso de recordar que a tentativa de Passos Coelho de desbravar caminho nessa direção nunca foi validada eleitoralmente com amplo escrutínio democrático. Não o foi na eleição que o levou a gerir a Troika, nem sequer na que lhe deu uma vitória de Pirro, pois nesse segundo ato eleitoral tudo foi preparado para recompensar os Portugueses da tal saída pretensamente limpa.

Do argumento liberal respira-se então esta ideia obtusa que só gente desinteressada da política (e da vida) como VPV tem coragem para verbalizar com toda a clareza: o problema não está nas ideias liberais, o problema está no País e na sua relação doentia e aditiva com o Estado. Alguns tentaram no início da gestão da Troika levar essa tese a sério, destruindo o tal arcaísmo. Deram-se mal.

Onde é que o artigo de Wren-Lewis encaixa nesta reflexão? De uma maneira muito clara. Wren-Lewis é um sério observador de esquerda da sociedade britânica e nesta, perdoem-me os liberais de pacotilha, não há a tal dependência face ao Estado.

O economista de Oxford traz para a reflexão os resultados do British Social Attitudes Survey de 2014, ou seja incorporando os efeitos da malfadada viragem austeritária que os conservadores teimaram em fazer mergulhar o Reino Unido, desperdiçando a rara oportunidade de contexto que tiveram para um grande esforço de modernização infraestrutural do País.

Os resultados desse inquérito são reveladores.

Em primeiro lugar, o apoio da população britânica para um modelo de “mais impostos e mais despesa”, exatamente o contrário do que os conservadores pretenderam, está no seu mais elevado nível desde sempre. Será porque os britânicos se tornaram de repente subsídio e ajudo-dependentes, acomodados na sombra protetora do Estado? Não me parece. Não será o efeito de uma austeridade desproporcionada e puramente ideológica e de classe como os conservadores são exímios em transmitir?

Depois, tal como o gráfico que abre este post o documenta com clareza, quando se pergunta se um conjunto alargado de serviços deve ser gerido pelo Estado ou pelo setor privado, o gráfico fala por si. Na sociedade britânica já há demasiados casos de quebra declarada de qualidade de serviço imposta pela gestão privada.

O que me dizem a isto caros liberais de trazer por casa? Se em Portugal o país vos incomoda, a solução de uma viagem para Londres antecipando uma saída das instituições europeias que também não vos agradam parece condenada a prolongar a vossa atitude de injustiçados. Podem sempre zarpar para outros países mais propensos a tais ideários, mas encontrarão a dificuldade de viver em países que de democráticos só de nome. Faço-vos o favor de acreditar que essa situação não vos agrade, democratas que são.

Assim sendo, penso que terão que começar a convencer os vossos mecenas e financiadores que o paradigma da relação dos Portugueses com o Estado terá de ser melhor compreendido. A leitura do texto de Henrique Raposo no Expresso sobre a biografia de Vasco Pulido Valente talvez vos ajude. Talvez seja melhor ir além do século XIX.

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