domingo, 4 de fevereiro de 2018

JUSTIÇA, AMBIÇÃO E PEQUENA SOCIEDADE




(Notas soltas sobre o nevoeiro institucional que nos rodeia. Não acredito na pureza bacteriológica de instituições acima da sociedade.)

As sociedades, incluindo as democráticas, são necessariamente impuras e imperfeitas. O seu equilíbrio depende do modo como se limitam, combatem e regulam tais imperfeições. Não acredito, por isso, quando alguns corpos sociais ou conjuntos de personalidades se arvoram enquanto tais a personalizar a pureza e a perfeição, atribuindo-se prerrogativas especiais para levar a bom porto esse desígnio. Há imensos exemplos na história, recente e longínqua, que mostram que tais pretensões acabam por correr mal e mostrar que eram modalidades encapotadas de captura de poder ou de opressão.

É com esta perceção da construção das sociedades democráticas, particularmente daquelas em que a democracia é relativamente recente, que tendo a interpretar este nevoeiro que nos cerca e oprime por estes dias, com a justiça no centro das atenções. Tivemos de tudo nos últimos dias.

A justiça a abrir processos a mando e sugestão de pasquins (Correio da Manhã) ou de projetos editorais coerentes e politicamente orientados (Observador). O caso Centeno inscreve-se nesta lógica, com a descarada e impune busca ao gabinete do Ministro das Finanças a representar a cereja em cima do bolo, para onda populista ver e acreditar que a justiça cavalga a onda populista de acerto de contas com essa sempre suspeita classe política, mesmo que internacionalmente prestigiada.

É o caso FIZZ a dar conta das perversidades da financeirização da economia portuguesa, com Angola à mistura, para a pincelada que não podia faltar do capitalismo periférico e dependente, com inversão dos papéis coloniais (afinal é sempre tudo uma questão de onde está e onde há “papel”). Em pleno FIZZ, lá aparece um procurador e começa a ser claro que há sempre por aí “novos donos disto tudo” (o somaticamente adequado Proença).

O caso LEX, com origem no Rota do Atlântico, é mais uma manifestação da distorção da financeirização, com ex-colónias à mistura (Cabo Verde, neste caso) e ramificações ao futebol. Mas tomando como hipótese de trabalho a que o EXPRESSO divulga este fim-de-semana, teríamos alegadamente neste caso uma situação típica de venda de pomada de banha de cobra, esta sim profundamente enraizada no imaginário popular português. Alegadamente, pelo que se retira do EXPRESSO, o juiz Rangel prometeria benesses que não poderia concretizar, pois os terceiros envolvidos não sabiam de nada. Uma combinação típica da nossa herança genética: justiça (os que se aproveitam indevidamente da mesma), ambição (o consumo, sempre o consumo) e pequena sociedade (a dos pequenos favores, um jeitinho que tanto jeito me dava, a cunha escondida, o conforto de estarmos protegidos com alguém importante e com poder de decisão ou de a influenciar). Combinação exemplar, não é?

Para apimentar a questão, outros avançaram com um outro dado (corporativo, marcadamente corporativo): a juíza Fátima Galante estaria prestes a ingressar no Supremo. Sempre a velha questão cabalística: porquê só agora?

Neste contexto, não tem para mim significado dizer que teremos de estar descansados porque a justiça é para todos e que atinge os seus próprios elementos. Pudera que assim não fosse. O que não tem sentido é fazer emergir a justiça como o último reduto da perfeição societária. Justiça, política, economia e outras vidas são feitas da mesma carga genética, em todas elas existe essa tensão entre respeitar e cumprir a lei e contorná-la ou violar a mesma, entre a ética e moral e a antiética e a imoralidade.

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