(A demografia está cada vez mais interessante, sobretudo
pelo seu cruzamento com outras variáveis que dão um outro alcance ao tema
inesgotável das projeções, cada vez menos demográficas e cada vez mais de
desenvolvimento. Uma pergunta, inquietante ou talvez não, consiste
em saber se estaremos perto do momento em que o número de crianças vai parar de
crescer. Depende … )
As projeções demográficas já não são o que eram, para melhor. Não há nesta
afirmação nada de nostalgia. Não sou demógrafo e depois as projeções que hoje
vale a pena seguir são bem mais interessantes do que a vulgata das projeções de
antigamente. E isso acontece porque a teoria do crescimento demográfico foi
enriquecida com outras variáveis não demográficas. Principalmente a partir do
momento em que a taxa de fertilidade passou a ser coração do crescimento
natural. Isso não significa que as migrações não sejam um vértice do problema,
mas teremos de convir que a sua previsão toca por vezes a futurologia.
Já passou algum tempo do dia em que tive o prazer de apresentar, no Porto,
o livro do colega e amigo Professor Eduardo Anselmo Castro e de dois outros
professores da Universidade de Aveiro sobre projeções demográficas, Na
referência que lhe fiz neste blogue, destaquei o pioneirismo da obra em matéria
de inclusão nas projeções de variáveis económicas (crescimento do PIB e
produtividade), revolucionando a cenarização demográfica em Portugal,
particularmente para as regiões mais despovoadas e em agonia demográfica. As
implicações dessa abordagem em termos de políticas públicas de desenvolvimento
regional são marcantes. É desse tipo de enriquecimento das previsões
demográficas que falo, bem longe das análises demográficas tout court.
Hoje trago-vos outra significativa fonte de enriquecimento, pela mão do
infatigável Max Roser (link aqui), a quem devemos a passagem para bem público de muita
informação que o seu portal trabalha incessantemente e transforma em gráficos
apelativos. Neste caso, já não são as variáveis económicas que enriquecem a
abordagem, mas a educação. Qual a relevância desta variável para uma
reconsideração das previsões demográficas?
Referi há pouco que a taxa de fertilidade se transformou, para lá das
migrações, no coração da dinâmica demográfica. Ora, neste contexto, existe
investigação robusta que baste que mostra que a variável educação influencia
decisivamente a taxa de fertilidade. Mais propriamente, sociedades com mulheres
com maior nível de educação tendem inequivocamente a gerar taxas de fertilidade
bem mais baixas. Assim sendo, é crucial estabelecer previsões demográficas em
função dos ritmos de melhoria dos níveis educativos que se estimam para as
sociedades em questão. A evolução do número de crianças dependerá
acentuadamente dessa variável, o mesmo acontecendo com a população estimada com
menos de 15 anos, aquela que pressiona o sistema educativo, aos seus variados
níveis. Pode até dizer-se que a melhoria dos níveis educativos tenderá a
reduzir a procura de educação. Baralhando este problema, pode invocar-se a
seguinte máxima: o êxito dos professores e dos outros agentes dos sistemas
educativos na melhoria dos níveis educativos de uma dada população tenderá a
reduzir a pressão sobre a geração seguinte de agentes de ensino. Algo de
estranho, admito, mas que resulta da relação crucial entre educação e
fertilidade.
O que o artigo de Max Roser faz é traduzir estes princípios em respostas
simples às questões inicialmente colocadas. Poderemos estar perto do momento em
que o número de crianças no mundo vai parar de crescer. Esse momento pode estar
mais perto se os níveis educativos evoluírem mais rapidamente. E poderá estar
mais afastado se acontecer o contrário. Uma outra conclusão emerge do trabalho
de Roser. A África transformou-se na chave do problema. Será o continente
crucial para antecipar o comportamento da população mundial.
Claro que também deveríamos falar de migrações. De facto, sendo a
globalização das pessoas (as migrações não forçadas pela guerra e pela
perseguição religiosa) o parente pobre da globalização, qualquer inversão nesta
matéria tenderá a baralhar a regionalização de todas as previsões.
Nota final: no artigo de Max Roser existe uma outra relevante informação.
Não estamos hoje limitados às previsões ONU da população mundial. Há que contar
com as do Wittgenstein Centre (link aqui).
Sem comentários:
Enviar um comentário