sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

OS TEMPOS DO “PEAK CHILD”




(A demografia está cada vez mais interessante, sobretudo pelo seu cruzamento com outras variáveis que dão um outro alcance ao tema inesgotável das projeções, cada vez menos demográficas e cada vez mais de desenvolvimento. Uma pergunta, inquietante ou talvez não, consiste em saber se estaremos perto do momento em que o número de crianças vai parar de crescer. Depende … )

As projeções demográficas já não são o que eram, para melhor. Não há nesta afirmação nada de nostalgia. Não sou demógrafo e depois as projeções que hoje vale a pena seguir são bem mais interessantes do que a vulgata das projeções de antigamente. E isso acontece porque a teoria do crescimento demográfico foi enriquecida com outras variáveis não demográficas. Principalmente a partir do momento em que a taxa de fertilidade passou a ser coração do crescimento natural. Isso não significa que as migrações não sejam um vértice do problema, mas teremos de convir que a sua previsão toca por vezes a futurologia.

Já passou algum tempo do dia em que tive o prazer de apresentar, no Porto, o livro do colega e amigo Professor Eduardo Anselmo Castro e de dois outros professores da Universidade de Aveiro sobre projeções demográficas, Na referência que lhe fiz neste blogue, destaquei o pioneirismo da obra em matéria de inclusão nas projeções de variáveis económicas (crescimento do PIB e produtividade), revolucionando a cenarização demográfica em Portugal, particularmente para as regiões mais despovoadas e em agonia demográfica. As implicações dessa abordagem em termos de políticas públicas de desenvolvimento regional são marcantes. É desse tipo de enriquecimento das previsões demográficas que falo, bem longe das análises demográficas tout court.

Hoje trago-vos outra significativa fonte de enriquecimento, pela mão do infatigável Max Roser (link aqui), a quem devemos a passagem para bem público de muita informação que o seu portal trabalha incessantemente e transforma em gráficos apelativos. Neste caso, já não são as variáveis económicas que enriquecem a abordagem, mas a educação. Qual a relevância desta variável para uma reconsideração das previsões demográficas?

Referi há pouco que a taxa de fertilidade se transformou, para lá das migrações, no coração da dinâmica demográfica. Ora, neste contexto, existe investigação robusta que baste que mostra que a variável educação influencia decisivamente a taxa de fertilidade. Mais propriamente, sociedades com mulheres com maior nível de educação tendem inequivocamente a gerar taxas de fertilidade bem mais baixas. Assim sendo, é crucial estabelecer previsões demográficas em função dos ritmos de melhoria dos níveis educativos que se estimam para as sociedades em questão. A evolução do número de crianças dependerá acentuadamente dessa variável, o mesmo acontecendo com a população estimada com menos de 15 anos, aquela que pressiona o sistema educativo, aos seus variados níveis. Pode até dizer-se que a melhoria dos níveis educativos tenderá a reduzir a procura de educação. Baralhando este problema, pode invocar-se a seguinte máxima: o êxito dos professores e dos outros agentes dos sistemas educativos na melhoria dos níveis educativos de uma dada população tenderá a reduzir a pressão sobre a geração seguinte de agentes de ensino. Algo de estranho, admito, mas que resulta da relação crucial entre educação e fertilidade.

O que o artigo de Max Roser faz é traduzir estes princípios em respostas simples às questões inicialmente colocadas. Poderemos estar perto do momento em que o número de crianças no mundo vai parar de crescer. Esse momento pode estar mais perto se os níveis educativos evoluírem mais rapidamente. E poderá estar mais afastado se acontecer o contrário. Uma outra conclusão emerge do trabalho de Roser. A África transformou-se na chave do problema. Será o continente crucial para antecipar o comportamento da população mundial.

Claro que também deveríamos falar de migrações. De facto, sendo a globalização das pessoas (as migrações não forçadas pela guerra e pela perseguição religiosa) o parente pobre da globalização, qualquer inversão nesta matéria tenderá a baralhar a regionalização de todas as previsões.

Nota final: no artigo de Max Roser existe uma outra relevante informação. Não estamos hoje limitados às previsões ONU da população mundial. Há que contar com as do Wittgenstein Centre (link aqui).

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