(Já todos se aperceberam que tenho, em matérias financeiras,
um fraquinho, diria mesmo um fracão, pela jornalista Gillian Tett, curiosamente muito parecida com um outro dos meus fetiches - Gillian Anderson dos X Files. Embora
atavicamente nunca invista em bolsa, presto-lhe toda a minha atenção.)
O cântaro tantas vezes vai à fonte que um dia acaba por partir. É o que
muita gente vinha dizendo, alertando para a euforia reinante nos mercados e os riscos
que isso implica. Dos analistas até ao Nobel Shiller todos o tinham referido. Isso
não significa que o partir do cântaro produza impacto suficiente para gerar uma
réplica de 2007-2008. Não há esse determinismo, mas convém estar atento.
Clara e direta como sempre, Gillian Tett avisa-nos (link aqui):
“O mundo
financeiro enfrenta pelo menos três desafios, com ecos do passado: o dinheiro
barato alimentou um crescimento da alavancagem; as baixas taxas de juro estimularam
também a engenharia financeira; e os reguladores estão a sentir dificuldade em monitorizar
os riscos, em parte porque estão demasiadamente fragmentados”.
Haverá alguém capaz de ser mais direto e conciso? Duvido.
Este excerto de Tett tem para além da sua concisão uma estranha apetência
para nos projetarmos no que se passa entre muros. Deixei de comprar há muito
tempo a ideia muito divulgada de que a economia americana não pode ser extrapolada
para as nossas vidinhas. Puro engano. E por isso lhe tenho dedicado tanta atenção
e não é apenas pelo efeito Trump.
No artigo que acompanha a minha reflexão, Gillian Tett confronta-nos com
alguns números, que convém reter para memória futura:
·
Segundo o BIS (Bank of International Settlements),
a dívida global mundial em percentage do PIB mundial aumentou 40% em 10 anos,
ou seja desde a crise;
·
A Standard and Poor’s estima que a dívida
global das empresas não financeiras aumentou em 6 anos apenas de 15% para 96%
do PIB, estimando-se que hoje existirão cerca de 37% das empresas altamente alavancadas,
para 32% em 2007;
·
Os yields
a 10 anos dos títulos do tesouro já passou os 2,8%;
·
E, finalmente, 90% do trade financeiro faz-se
por automatismos geradospor algoritmos computadorizados, ou seja, o velho mundo
do trade não representa mais do que 10%.
Moral da história: o capitalismo nunca deixou de ser irracional e exuberante
e a digitalização parece prolongar o pecado original. Eu não jogo na bolsa.
Atavismo? Talvez. Mas talvez mais reconhecimento da ignorância prática.
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