Há algum tempo que não me acontecia o que me aconteceu no feriado de Carnaval: sentar-me no sofá da sala, mais ou menos extenuado, e ver o que um canal de televisão – no caso, um canal de filmes – ocasionalmente oferecia. Pois, saiu-me a sorte grande: um belíssimo filme de 2016, realizado pelo sul-coreano Park Chan-wook e premiado em Cannes. Confesso a minha ignorância cinematográfica, que já procurei esbater através de uma rápida busca na Net. Percebi, assim, que o autor é um consagrado que está associado ao chamado “cinema extremo asiático” da passada década e que é alvo de admiração por parte de Quentin Tarantino (o qual, enquanto presidente do júri, o levou ao Grand Prix daquele Festival em 2004).
Este “Handmaiden” é basicamente definível como um “thriller erótico” cheio de sucessivos golpes e contragolpes (“quando pensamos compreender as motivações dos personagens, uma reviravolta importante mostra que estávamos errados”), teve aparentemente uma essencial intencionalidade feminista e é apresentado segundo uma estrutura complexa organizada em três partes. Os personagens do filme transitam entre o Japão e a Coreia ocupada no início do século XX e falam entre si nas duas línguas respetivas (uma legendada a amarelo e outra a branco), começando o enredo por parecer assente num mero plano, mais ou menos diabólico, para seduzir uma mulher rica e ingénua; depois, e com o desenrolar da narrativa, vai-se percebendo que nada era afinal o que parecia ao início e vamo-nos apercebendo que somos nós, espectadores, os mais ludibriados.
Trata-se, todavia, de um engano que se recebe com crescente gosto. Porque a produção é esteticamente deslumbrante, a técnica é competente e requintada, a música é uma preciosidade, as atrizes (Min-hee Kim e Tae-ri Kim) são magníficas. Falar mais do filme seria fazer com que o leitor se arriscasse a perder muita da surpresa e da intensidade com que Park Chan-wook nos brinda de modo raro – limito-me, por isso, a apenas acrescentar outras ideias-força sugestivas como as de uma narrativa que é simultaneamente linear e plena de sobreposições, realista e criadora de mundos paralelos, assente em sedução e sexo e em amor e prazer, centrada na denúncia do voyeurismo e da perversão do mundo masculino e num correspondente contraponto da elegante sinceridade das emoções femininas.
Que mais poderei aqui deixar de útil e demonstrador senão que já estou em campo na procura de mais obras deste sul-coreano que inesperadamente me entrou pela casa dentro em dia de Carnaval?
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