(A queda do peso da indústria transformadora, mais precoce
ou esperada, no emprego ou no produto totais das economias, pode considerar-se
um tema recorrente da análise estrutural do crescimento e do desenvolvimento
económico. O ressurgimento mediático do tema nos tempos mais
recentes só tem uma explicação: o populismo económico não se dá bem dialogando
com a investigação económica … )
Na literatura sobre a mudança estrutural das economias, o tema da
desindustrialização, precoce, isto é desproporcionada face ao nível de desenvolvimento
económico dos países, ou esperada, é algo de recorrente com que nos habituámos
a lidar. Não é totalmente indiferente tratar o problema ao nível do produto do
emprego e uma outra preocupação consiste em distinguir a desindustrialização absoluta
(crescimento do produto e do emprego) e a desindustrialização relativa (peso do
produto ou do emprego transformador no produto ou emprego totais, respetivamente).
A explicação mais frequente gira em torno das condições de procura de bens da
indústria transformadora. Comparativamente com os serviços, estamos a falar de
bens que tendem a aumentar a procura face a aumentos de rendimento em menor
proporção do que acontece nos serviços. Mas há que reconhecer que o tema é mais
complexo, sobretudo com economias abertas. Só o relativo desinteresse com que a
economia de mainstream olha para
estas questões da mudança estrutural explica o não aprofundamento destas questões.
Mas subitamente o tema regressou ao debate económico. Não necessariamente
pelas melhores razões, diga-se. A queda do emprego industrial é um tema politicamente
reativo, tanto mais reativo quanto mais o fenómeno aconteça em territórios
delimitados ou comunidades espaciais bem identificadas. A desindustrialização
manufatureira tem sido um campo fértil, nos EUA de Trump sobretudo e em parte
na Europa, particularmente na França de Le Pen, para o populismo e o nacionalismo
económicos esgrimirem argumentos, como seria de esperar à revelia de investigação
séria e rigorosa. A desindustrialização tem sido alvo de duas formas de reatividade
política: contra a globalização e o comércio externo em particular e contra a
automação mais ou menos robotizada.
Um efeito virtuoso do alarido populista e nacionalista tem sido o regresso
de análises estruturais sobre o tema, seja cavalgando o tema da asiatização das
economias (globalização, offshoring, outsourcing, importações chinesas e
temas associados), seja seguindo os rumos e influência da tecnologia, ou ainda
melhor procurando separar os dois efeitos. É neste quadro que não podemos deixar
de registar neste espaço e no acompanhamento do tema a publicação pelo Upjohn Institute for Employment Research do
artigo de Susan N. Houseman (link aqui), com um contributo marcante para o debate em curso.
Embora seja o declínio do emprego manufatureiro que seja objeto de investigação,
também não é menos verdade que foi o populismo de Trump que mais carregou no
aproveitamento dessa evidência.
Seguem-se algumas breves notas para situar o alcance do artigo no quadro dos
argumentos com que trabalhámos até agora.
Comecemos
pelas evidências.
O emprego manufatureiro americano caiu de 2000 aos nossos dias cerca de 5 milhões,
algo em torno de uma perda de 28%. Só de 2007 a 2016 essa queda está estimada em
cerca de 1,5 milhões de postos de trabalho. Em termos de peso, o do emprego representava
em 2016 apenas 10% do emprego total e o do produto cerca de 13% do produto
total. O mistério adensa-se acompanhando a evolução do produto manufatureiro e
do produto total. Em contraste com os indicadores de peso, o produto
manufatureiro e o produto total têm mantido ritmos de crescimento similares,
com a exceção dos tempos posteriores a 2007-2008 em que o crescimento do
produto manufatureiro ficou aquém do do produto global.
Uma explicação possível para este mistério tem que ver com a evolução
comparativa de preços. Os preços do setor manufatureiro teriam crescido a um ritmo
mais baixo do que o preço do PIB global, refletindo a questão produtividade-automação.
A reflexão de Houseman começa a ser relevante a partir do momento em que
questiona a relação produtividade-automação. E fá-lo por vários caminhos. Primeiro,
não encontrando evidências sólidas de que a automação esteja a produzir os
efeitos antecipados pela ficção. Segundo, colocando problemas de medida, bem
mais interessantes e sugestivos. O aumento da produtividade da Indústria transformadora
(IT) seria ilusório do ponto de vista do impacto na produção. Como os preços refletem
essencialmente neste setor a rapidez do progresso técnico e da qualidade crescente
dos produtos (computadores mais poderosos, televisões mais potentes, etc). Quando
um consumidor aceita pagar mais 15% por um produto tecnologicamente mais
moderno, estamos a empolar o valor da produção sem que isso se repercuta em
mais produção física. É tudo uma questão de índices de preços ajustados pela
crescente qualidade dos produtos. E terceiro, argumento ainda mais potente, estaremos
a tomar a nuvem por Juno olhando para a IT como um todo. É que o efeito sobre
os preços atrás assinalado desvanece-se se retirarmos da IT o setor eletrónico
e da computação, que não representa mais do que 15% do valor acrescentado transformador
nos EUA. Assim, por exemplo, sem essa componente de tecnologias de informação os
preços da indústria transformadora e do PIB apresentam comportamentos
similares. E em matéria de crescimento essa neutralização tem também um forte
impacto. Com as TIC, o crescimento da IT é cerca de 97% da média do PIB privado.
Sem as TIC é apenas 45%. Também sem as TIC, o produto real da IT era em 2016
mais baixo do que o registado antes da crise de 2007.
Moral da
história
Houseman alerta-nos para um efeito ilusão. 15% do produto da IT revela-se
afinal gerador de um efeito de distorção assinalável. O aumento da sua
produtividade registaria o progressivo e persistente aumento da qualidade dos produtos
impulsionada pelo progresso tecnológico. Assim, não só os americanos não estão
a produzir mais computadores e semicondutores, mas antes menos (estão a fazê-lo
no estrangeiro), como não é um problema de automação que comanda (ainda) a
produtividade.
Dois importantes alertas resultam desta abordagem e por isso a considero
muito relevante para o debate em curso.
Primeiro, na ânsia da formalização e da modelização a toda a brida, os
economistas têm desvalorizado o problema da medida em tempos de rápido progresso
técnico.
Segundo, os dados sugerem mais atenção aos temas da globalização e do comércio
externo. Ou seja, os argumentos de Trump não podem ser tão facilmente contraditados.
Aliás, o conhecidíssimo estudo de Autor, Dorn e Hanson (2013) sobre o efeito
das importações chinesas concluía já que, entre 1990 e 2007, um quarto da queda do
emprego manufatureiro estava relacionado com as importações chinesas. Isto só
prova que os economistas não estão ainda totalmente robustos para contraditar o
populismo económico. Para fazer referência a elementos que já passaram por este
blogue, entre Houseman, Brad De Long e Dani Rodrik, por exemplo, não conseguimos
encontrar um fio comum suscetível de contraditar o populismo de Trump. O que me
deixa algo inquieto.
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