(Torna-se cada vez mais penoso escrever sobre a encruzilhada
catalã e temo que a alusão feita hoje em crónica de Francisco Sena Santos na
Antena 1 (link aqui) à “audácia da esperança” para definir o futuro da questão catalã não
seja mais do que o resultado de pias intenções)
O independentismo catalão assemelha-se a um barco abalroado pela fúria da
tempestade que ele próprio ajudou a criar, exacerbada pela incompetência política
do PP. Existe uma rotura no ar entre as forças do Junts per Catalunya de
Puigdemont, movimento nascido das cinzas da Convergencia, da Esquerda Republicana
de Junqueras que aspira a uma hegemonia e do radicalismo da CUP. Não sei por que
carga de água surgiram a público SMS trocados entre o exilado Puigdemont e o
seu ex-conselheiro para a Saúde na Generalitat Toni Comín. Nessas mensagens
amplamente divulgadas por uma imprensa espanhola que se tornou (nisso Sena
Santos tem razão) profundamente hostil ao independentismo, Puigdemont parece atirar
a toalha ao chão, emparedado pela força do aparato judicial e pela quebra de solidariedade
entre as forças independentistas. Ao entregar-se oportunistica e interesseiramente
nas mãos da justiça e do Tribunal Constitucional, percebeu-se há muito que o PP
ou não queria ou não tinha engenho para golpes de rins e flexibilidade para uma
solução política. Nesse contexto, a fantasia preparada por Puigdemont para uma
investidura por Skype ou para um salvo-conduto especial que permitisse a sua
investidura antes de responder perante as autoridades pela desobediência só no
reino do imaginário-criativo é que poderia ter algum sentido. O que é tanto
mais estranho e incompreensível quanto se sabe (e o Partido Nacionalista Basco encarregou-se
de o divulgar publicamente) que Puigdemont teve praticamente um acordo firmado com
as forças políticas regionalistas bascas que evitaria a declaração unilateral
de independência e que inesperadamente (não se sabe concretamente por que razão)
o abandonou.
Um recuo de dois passos para viabilizar uma “audácia de esperança”
consistiria na retirada da candidatura de Puigdemont à investidura e a sua
substituição por um outro candidato não ameaçado pela justiça. O problema é que
não sendo a CUP fonte de qualquer esperança nesse sentido, o Junts per Cat
teria dificuldade interna em encontrar uma alternativa e assim se abriria o
caminho à Esquerda Republicana para encontrar um outro candidato, Marta Rovira
por exemplo, segunda personalidade depois de Junqueras, que está preso como se
sabe. A não resolução desta encruzilhada gera clarissimamente uma situação de lose-lose,
em que todos perdem: (i) a rotura intra-independentista vai sendo cavada, (ii) a
degradação da situação económica e a sua perceção internacional da Catalunha vão-se
intensificando e (iii) o próprio Governo espanhol do PP enreda-se na sua incompetência,
cedendo o passo ao CIUDADANOS e perdendo o capital de autoridade que ganhou,
segundo alguns analistas, com o acionamento do 155º.
Não consigo imaginar o impacto depressivo que a divulgação das mensagens de
Puigdemont com Comín terão provocado no independentismo genuíno catalão, tal
qual Joker sem poder e bloqueado nas suas contradições. Se nos reportarmos ao
passado não muito longínquo, em que personalidades catalãs de grande relevo
ajudaram a conceber e redigir a Constituição de 1978 como Miguel Roca Junyent
(Convergência) ou Jordi Solé Tura (Partido Comunista) e aos tempos de
personalidades políticas como Pascual Maragall, rapidamente sentimos um vazio avassalador
quando o confrontamos com o tempo de hoje e os seus líderes. Não estou a ficar
nostálgico, como poderão pensar. É o resultado nu e cru de um confronto sem
peias ou encobrimentos. A sabedoria dos papagaios (e como os tempos da
comunicação de hoje têm multiplicado os papagaios!) é muito limitada e não dá
para situações como estas. Tweetar não
chega!
Ou muito me engano ou a superação da encruzilhada vai consumar-se pelo
agravamento da degradação da situação económica. Não sei se todos os espanhóis “espanholistas” e cada vez mais hostis ao
folclore independentista, inconsequente e frívolo, já se deram conta que a degradação
económica catalã não deixará de ter consequências em toda a Espanha. E já não
estou a quantificar o profundo impacto depressivo entre os independentistas
genuínos.
“Audácia da esperança”? Seria bom, mas …
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