quarta-feira, 5 de setembro de 2012

CLINT E A CADEIRA VAZIA


Muito boa gente empenhada na campanha republicana ou pelo menos simpatizante com a hipótese de uma derrota punitiva de Obama pelas expectativas que não cumpriu exultou com a cena mediática da conversa em palco de Clint Eastwood com uma cadeira vazia. Afinal, mediaticamente, a mise-en-scène do velho Clint de 82 anos acabou por dominar a convenção, apagando mesmo o efeito inicial da intervenção da senhora Romney.
Mas, em meu entender, o evento contribuiu decisivamente para que a Convenção Republicana não projetasse o candidato para uma posição de maior efeito de crescimento, capaz de induzir uma dinâmica de recuperação que desse outro fôlego à campanha. Isto não significa que Romney esteja derrotado. Mas o que é certo é que a Convenção não foi o marco que os “marketers” da campanha teriam seguramente imaginado.
Tenho de confessar aqui que tenho reverência pelo cinema de Eastwood, apesar de recear que o seu envelhecimento possa contribuir para que as últimas obras apaguem a singularidade do seu cinema que me entra pelas veias.
Por que razão, então, a cena da cadeira pode revelar-se à la longue um tiro pela culatra na estratégia eleitoral de Romney? Para republicano, a metáfora do tiro pela culatra é mesmo apropriada. Algumas posições públicas de alguns dos seus intérpretes e apoiantes de primeira linha são típicas de verdadeiros pistoleiros, projetando-nos na infância dos quadradinhos do western mais puro.
Na minha interpretação, a intervenção de Clint Eastwood mostra com clareza que o velho republicanismo americano apoiado nos ideais americanos que controversamente Eastwood reavivou no Grand Torino é uma espécie em vias de extinção. Provavelmente tenderá a ser recordado em parques temáticos de grande sofisticação, pois a correspondência entre os seus valores e a base do republicanismo americano atual é um conjunto vazio. Seguramente que a América da “greed”(ganância) pavoneante com que os tais 1% da sociedade americana tendem, hipocritamente, a recriar o sonho americano não está seguramente nos valores a que Eastwood é fiel. Neste contexto, a cena da cadeira, de bom ou mau gosto consoante as interpretações, e o discurso que a acompanhou terão passado aos participantes ainda com alguma capacidade de juízo crítico uma sensação de passado impossível. Nessa comparação, Romney terá ficado mal na fotografia, perturbando o efeito mais profundo que se queria obter.
No seu por vezes desconcertante Daily Show, Jon Stewart gozou até aos limites, dizendo por exemplo que ver um velhote a gritar sozinho para um objeto inanimado não é difícil para quem passe por Nova Iorque. Vê-lo num palco de uma Convenção é raro. Mas o problema mais fundo não é seguramente esse. O vazio (da cadeira) não era propriamente a ausência de Obama. O vazio era antes a extinção dos velhos valores americanos. Talvez inconscientemente (ou talvez não, quem sabe) Eastwood terá querido em última instância mostrar o seu desencanto. Se a mensagem foi assim entendida, Clint continua no seu melhor.

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