Muito boa gente empenhada na campanha republicana ou pelo
menos simpatizante com a hipótese de uma derrota punitiva de Obama pelas
expectativas que não cumpriu exultou com a cena mediática da conversa em palco
de Clint Eastwood com uma cadeira vazia. Afinal, mediaticamente, a mise-en-scène do velho Clint de 82 anos
acabou por dominar a convenção, apagando mesmo o efeito inicial da intervenção
da senhora Romney.
Mas, em meu entender, o evento contribuiu decisivamente
para que a Convenção Republicana não projetasse o candidato para uma posição de
maior efeito de crescimento, capaz de induzir uma dinâmica de recuperação que
desse outro fôlego à campanha. Isto não significa que Romney esteja derrotado.
Mas o que é certo é que a Convenção não foi o marco que os “marketers” da
campanha teriam seguramente imaginado.
Tenho de confessar aqui que tenho reverência pelo cinema
de Eastwood, apesar de recear que o seu envelhecimento possa contribuir para
que as últimas obras apaguem a singularidade do seu cinema que me entra pelas
veias.
Por que razão, então, a cena da cadeira pode revelar-se à
la longue um tiro pela culatra na estratégia eleitoral de Romney? Para
republicano, a metáfora do tiro pela culatra é mesmo apropriada. Algumas posições
públicas de alguns dos seus intérpretes e apoiantes de primeira linha são típicas
de verdadeiros pistoleiros, projetando-nos na infância dos quadradinhos do
western mais puro.
Na minha interpretação, a intervenção de Clint Eastwood
mostra com clareza que o velho republicanismo americano apoiado nos ideais
americanos que controversamente Eastwood reavivou no Grand Torino é uma espécie
em vias de extinção. Provavelmente tenderá a ser recordado em parques temáticos
de grande sofisticação, pois a correspondência entre os seus valores e a base
do republicanismo americano atual é um conjunto vazio. Seguramente que a América
da “greed”(ganância) pavoneante com que os tais 1% da sociedade americana
tendem, hipocritamente, a recriar o sonho americano não está seguramente nos
valores a que Eastwood é fiel. Neste contexto, a cena da cadeira, de bom ou mau
gosto consoante as interpretações, e o discurso que a acompanhou terão passado
aos participantes ainda com alguma capacidade de juízo crítico uma sensação de
passado impossível. Nessa comparação, Romney terá ficado mal na fotografia,
perturbando o efeito mais profundo que se queria obter.
No seu por vezes desconcertante Daily Show, Jon Stewart
gozou até aos limites, dizendo por exemplo que ver um velhote a gritar sozinho
para um objeto inanimado não é difícil para quem passe por Nova Iorque. Vê-lo
num palco de uma Convenção é raro. Mas o problema mais fundo não é seguramente esse. O
vazio (da cadeira) não era propriamente a ausência de Obama. O vazio era antes
a extinção dos velhos valores americanos. Talvez inconscientemente (ou talvez não,
quem sabe) Eastwood terá querido em última instância mostrar o seu desencanto. Se
a mensagem foi assim entendida, Clint continua no seu melhor.
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